Sêneca - Cartas Morais a Lucílio (XXX – XXXXI)
>> domingo, 10 de novembro de 2013 –
FILO ANTIGA
(Resumo)
As Cartas a Lucílio (Epistulae morales ad
lucilium) são consideradas por muitos comentadores como principal obra de
Sêneca, ou aquela demonstra com mais agudeza o seu pensamento, pois foi escrita
já no final de sua vida mostrando o amadurecimento de suas reflexões
filosóficas e em plena posse dos seus recursos como pensador da corrente
estóica, ainda que que algumas peculiaridades heterodoxas a esta corrente
filosófica, misturada a elementos epicuritas. As cartas revelam uma temática
estremamente atual dada a intemporalidade dos temas abordados e a pertinência
dos valores morais aos quais o autor chama à reflexão. A obra apresenta caráter
essencialmente ético, é menos especulativa e mais prática, analisa situações
concretas da vida humana e da ordem natural seguindo um estilo sapiencial com
certa dose de ironia, como se pode notar na crítica satírica a determinados
vícios da época.1
Das ideias principais extraídas da leitura,
gostaria de destacar a visão de felicidade do autor, que parece ser uma
“terapia da emoção e do desejo”, que consiste em viver virtude em grau máximo,
em adaptar-se à natureza para manter um equilíbrio que deixe o homem salvo das
vaidades da fortuna e dos impulsos do desejo que obscurecem a liberdade. Assim
a liberdade caracteriza-se como a imperturbabilidade do espírito diante dos
encômodos da vida (ataraxia)2 e
de modo especial do destino, que é uma realidade necessária a qual todos estão
sujeitos, aqueles que o aceitam são livres, pois não se deixam se levar pelo
medo da dor e mesmo da morte.
Outra meta da vida moral apresentada pelo autor é a
Sabedoria, que seria o único bem imortal que pode ser possuído pelos mortais e
é justamente esta sabedoria que conduzirá o homem a viver segundo a natureza,
deixando-se guiar por suas leis e exemplos.
A obra apresenta ainda uma visão antropólica
interessante, fala de alma humana, mas como parte do corpo, ou como uma espécie
de espírito corporal, o que nos permite classificar o autor como materialista.
As cartas falam de Deus e mesmo de uma vida após a morte, de pecado, o que faz
de Sêneca um estóico um tanto heterodoxo e, segundo o professor Gahl, demonstra
também uma certa influência do cristianismo, ainda que sua concepção de “vida”
após a morte e de pecado seja diversa à do cristianismo. Tal peculiriade no
pensamento estóico de Sêneca, dá um ecletismo de caráter moralista, preocupando-se
com a filosofia enquanto ensinamento e consolo para a vida, como mais tarde
fará também tantos outros filósofos cristãos, em especial Boécio.3
Sêneca aborda ainda diversas questões de cunho
ético-antropológico e pode ser considerado um otimista, pois ssinala que as
pessoas trazem consigo a semente de uma vida honesta, embora os bons exemplos
exerçam um papel essencial na adoção das virtudes4,
pois tantas vezes a vontade é fraca ou deficiente e o homem possui
predisposição antural para o bem ou para o mal, daí a importância da educação
moral.
O autor apresenta um programa de vida de heroísmo
passivo, que exige uma reformulação da mente a fim de que o homem não se deixe
impressionar com o horror da dores, da miséria e até mesmo da morte, que aliás
ocupa um papel singular nas Cart as Morais. A morte não é um bem e
nem um mal, pode tornar-se uma libertação quando as circunstâncias da vida
condenam o homem a uma escravidão incompatível com a liberdade, “(...) A
morte não comporta nenhum desconforto,(…) se tanto desejas uma vida mais larga,
pensa que nenhuma das coisas que desaparecem da vista, não se iliminam. Acabam
sua carreira, mas não desaparecem e a morte, que tanto tememos e fugimos,
interrompe a vid a, mas não a cancela.”5 Assim
fica aberto o caminho para que o homem deixe a vida (possibilidade do suicídio)
e nada o obriga a viver na miséria ou no cativeiro, entendidos aqui em sentido
mais amplo, não meramente físico.
A obra apresenta ainda, tantas outras reflexões que
podem servir de objeto de reflexão e mesmo fonte de inspiranção na reflexão
filosófica atual. Guardando-se os paralelos, está presente um certo conceito
humanístico e mesmo personalista, quando afirma por exemplo que um homem não
pode causar dano a outro, pois isto é irracional e vai contra a própria
essência da natureza. Muitos vêem nessa afirmação e outras semelhantes uma
certa influência no pensamento de Kant e em seu postulado moral. Discussões a
parte, o que fica evidente, contudo, é a inegável atualidade do pensamento de
Sêneca, presente até mesmo em pensamentos de índole budista.
Muitas observações e conclusões presentes nesta
obra podem ser aplicadas à inquietudes do mundo hodierno, como a busca
desordenada pelo prazer utilitalista, a perda constante do sentido da vida que
culmina em depressão, o erotismo exacerbado. Sêneca escreveu diversas máximas
sobre a pureza da vida, elevação do espírito humano, entusiasmo pela virtude
entre outros. A obra representa não somente sua esperiência de vida como também
reflexões profundas sobre os paradoxos da vida humana.
A obra de Sêneca certamente apresenta muitos pontos
que, com a devida correção, podem trazer luzes ao pensamento cristão, contudo,
devemos ponderar que apresenta um otimismo moderado em relação a natureza
humana, apresenta uma felicidade com a morte, porém sem a concepção de paraíso,
não apresenta uma ideia clara de esperança, ainda que permita uma abertura a
ela, além de propor o sufocamento das paixões e repressão ao medos sem um
sentido e meio sobrenaturais para tanto.
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