São Boaventura - Itinerário da Mente a Deus (Cap V a VII)

Nos capítulos 5 a 7 de seu Itinerarium, São Boaventura continua a deixar-nos claro a sua escola filosófica, bem como sua mística e espiritualidade franciscana. É claramente seguidor de Santo Anselmo, no assim chamado por Kant, argumento Ontológico, ainda que o explique de uma maneira um pouco diversa e até mais clara, demonstra também ser profundo conhecedor de toda filosofia cristã (Boécio, S. Agostinho, S. João Damasceno, Dionísio e outros) .
Depois de expor o itinerário a Deus a partir da via interna (sentidos e potências da alma) e da externa (pela contemplação do universo), bem como a necessidade da graça, a partir do capítulo 5 apresentará a via do Ser, para enfim culminar naquilo que eu chamaria de via teológico-mística presentes nos capítulos 6 e 7 respectivamente.
O cap. 5, “A Contemplação da Unidade Divina no Seu Nome Principal: o Ser”, poderia ser classificado como Metafísica do Antigo Testamento, em especial do livro do Êxodo, “Eu sou aquele que sou(3,14)” ou mesmo de toda Sagrada Escritura, uma vez que não faltam citações e explicações ontológicas também do Novo Testamento. A partir da perspectiva anselmiana do “Ser do qual não se pode pensar nada maior”, S. Boaventura propõe um olhar metafísico a respeito da “existência” absoluta de Deus. Uma existência sempre presente e eficaz, um ad esse (estar presente) mais do que um esse (ser)., mas uma presença que abrange todo o universo desde seu início (alfa) até o seu fim (ômega) e unifica o passado, o presente e o futuro. Numa clara referência também a teoria do tempo agostiniana exposta em As Confissões.
A explicação de S. Boaventura da existência de Deus parte do argumento de Santo Anselmo, mas de certa forma o supera, pois a crítica da passagem ilegítima da ordem ideal para ordem real, não pode ser dirigida contra o santo franciscano, pois a Idéia de Deus da qual parte, não é uma ideia constituída sobre a mente humana, mas de uma ideia que se impõe e é vivida na mente de cada um. Não é senão um testemunho de uma presença real que faz o pensá-l'O e não depende da mente humana, antes, é superior a ela. Portanto na argumentação de S. Boaventura não se infere uma realidade a partir de uma ideia, e sim se descobre uma realidade que está sob e se revela através de uma ideia.
Considera, pois, se puderes, o Ser puríssimo. Compreenderás que é impossível pensá-l'O como derivado de outro ser. Por conseguinte, deve-se necessariamente pensá-l'O como primeiro, pois não pode receber sua existência do nada ou de outro ser. Que ser, com efeito, poderia existir por si mesmo, se o Ser puríssimo não existisse por si e de si.[1]
Segundo E. Gilson, São Boaventura notou muito bem que “a necessidade do ser de Deus 'quoad se' (considerado em si mesmo) é a única razão suficiente de sua existência 'quoad nos' (considerado em relação a nós).[2] Assim, a teoria metafísica bonaventuriana da iluminação explica que a certeza que temos da existência de Deus é uma irradiação do seu ser divino sobre o nosso pensamento.
A partir dessa afirmação expõe os atributos divinos do “Ser por Excelência”: Primeiro e Eterno, Simplicismo, Atualíssimo (sem mistura de ato e potência), Perfeitíssimo, Sumo Bem. Daí se discorre as consequências desses atributos: porque simplíssimo na sua essência, possui o máximo poder, porque atualíssimo, é imatubilíssimo; porque perfeitíssimo, é imenso; porque soberanamente uno, é onímodo[3].
No capítulo 6 e 7, “A Contemplação da SS Trindade no Seu Nome: o Bem” e “Êxtase Mental e Místico”, seguirá a via teológico-mística a qual, como vimos em aula, serve a filosofia, pois “após termos considerado Deus nos seus atributos essenciais, devemos elevar o olhar da nossa inteligência a contemplação da Beatíssima Trindade.”[4] Esses capítulos seguem e explicam a teoria Agostiniana da Trindade exposta em De Trinitate. 
A contemplação mística proposta por S. Boaventura se dilata e aquela necessidade do Ser, do qual sua inexistência não pode ser pensada, nem admitida se desenvolve em fecundidade. Explica como se dá as processões trinitárias a partir de uma analogia psicológica. As três Pessoas Divina se geram, procedem e atam e, sob o “olhar” humano, revelam seus liames eternos, o Verbo é proferido em nosso ouvido e, no Verbo, se exprimem eternamente os exemplares de tudo. A partir disso duas ideias se desabrocham,  o “livro escrito por dentro” é a Arte e a Sabedoria eterna de Deus e o “livro escrito por fora” é a Criação, obra divina e declarativa das perfeições divinas e é em Jesus Cristo, Caminho por excelência, a eterna Sabedoria e a sua Obra se encontram unidas em unidade de Pessoa.
O último capítulo é um convite ao abandono das operações intelectuais e à união afetiva com Deus, que é um dom que “ninguém conhece, senão quem o recebe (Ap. 2,17). Nem o recebe, senão quem o deseja. Nem o deseja senão quem está inflamado pelo Espirito Santo(...).[5]



[1]BOAVENTURA, S., Itinerarim Mentis in Deumcap. V, 5.
[2]Cfr. L'Espirit de la Philosophie Médievale, Libr. Philosophique J.Vrin, Paris, 1948. pag. 60.
[3]Cfr. Boaventura, S. Itinerarium Mentis in Deum, cap. V, 6-8.
[4]Ibidem, cap. VI, 1.
[5]Ibidem, cap. VII, 4.

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