Aristóteles - Metafísica (Livro XII, 1-6)
>> domingo, 10 de novembro de 2013 –
FILO ANTIGA
O livro XII da Metafísica de Aristóteles é certamente um dos
mais estudados ao longo da história, talvez porque contenha muito bem formulada
a sua doutrina sobre a substância, seus princípios e suas causas. O que podemos
afirmar com segurança é que o Livro XII discorre propriamente sobre a filosofia
primeira. O Livro XII (lambda) contém
10 capítulos, os 5 primeiros trata dos princípios e causas da substância
sensível, no sexto é introduzido o tema da substância supra-sensível, ao qual
os capítulos restantes tratarão de expor. Podemos afirmar com segurança que o
conjunto do livro leva a cabo tudo aquilo que anuncia no início, isto é, uma
verdadeira teoria sobre a substância, “buscamos
os princípios da substância” (1069 a 19) e oferece tantas luzes a respeito
dos princípios e causas das substâncias, que, como veremos “são três” (1069 a
30)
Ao longo da história muito se
questionou sobre a autenticidade da autoria, ou mesmo se inicialmente faria
parte do conjunto de livros da Metafísica,
ou se seria um livro à parte. Hoje em dia são raros os que discutem a
autenticidade do livro, uma vez que Teofrasto, sucessor de Aristóteles e também
seu aluno muito próximo escreve posteriormente um livro no qual discute a
Metafísica de Aristóteles e principalmente o conteúdo do livro XII, assim não
temos motivos sérios para duvidar da autoria de Aristóteles, mas o que se pode
convencionar é que inicialmente constituísse um livro separado e muito
provavelmente precedente aos outros livros da Metafísica, seja porque não faz
mensão aos outros livros, seja pela originalidade de seu conteúdo, que não
reclama em nenhum momento o conteúdo dos livros precedentes e ainda porque seu
conteúdo de certa forma está presente implicitamente nos outros livros da
Metafísica[1].
Nos primeiros capítulos, ao
falar de substância está se referindo aos seus gêneros, que são as móveis e
incorruptíveis, isto é, os corpos terrestres (plantas, animais), depois às
substâncias móveis e eternas, isto é, não corruptíveis, que são os corpos
celestes (sol, lua, estrelas, astros etc)[2]. Depois, ainda no primeiro
capítulo, apresenta um terceiro tipo de substância, eterna e imóvel, da qual
procura demonstrar propriamente a existência, pois tem presente os filósofos
precedentes, em especial os da Academia (Platão, Speusippo e Senócrates), para
quem esse terceiro tipo de substâncias são as Idéias, os números ou ainda as
Idéias-números (1069 a 34-36).
Os diversos estudiosos
posteriores de Aristóteles, incluindo os cristãos, consideraram o livro uma
verdadeira Teologia do autor, como se tratasse exclusivamente do terceiro tipo
de substância, sobretudo porque tentaram buscar no autor o fundamento para a
Unidade de Deus. Especialmente por isso, os autores árabes Avicena e Averróis
acusavam os cristãos de serem politeístas, pois admitem essa Unidade de Deus em
sentido mais absoluto, não admitindo a Unidade na Trindade dos cristãos.
Voltando aos primeiros 5
capítulos do livro lambda, notamos
que o autor procura os princípios das substâncias sensíveis, fazendo referência
ao seu livro intitulado Física, no qual demonstra que as substâncias sensíveis
são sujeitas ao movimento, e para explicar o movimento não bastam apenas dois
princípios contrários entre si como faziam os filósofos pré-socráticos – calor
e frio, luz e trevas, etc – antes se faz necessário um substrato, ou seja, um
sujeito material, que passe de um estado de privação quanto a forma, a um
estado de posse de forma. Logo os princípios che explicam o devir da substância
sensível são 3: substrato (matéria), privação e forma (1069 b 32-34). Depois Aristóteles
ainda acrescenta que é necessário um outro princípio que faça passar o
substrato da privação à forma, ou seja, da potência ao ato, e este princípio
seria a causa eficiente (1069 b 35-1070 a 1).
Assim notamos que nos
primeiros 5 capítulos além dos conceitos de substrato (matéria), privação e
forma, Aristóteles introduz como princípio das substâncias sensíveis a causa eficiente.
Em relação à concepção de ato
e potência também expressa pelo autor, podemos perceber que o autor entende a
potência como uma possibilidade real em relação à forma. Por exemplo, um
estudante de filosofia tem a potência real de se transformar em filósofo, mas
não de passar a voar, em sentido físico, pois não possui potência real em
relação a isso quanto a forma, ou seja, voar não é uma potência real para a forma
humana.
Nos capítulos 4º e 5º
Aristóteles apresenta também um instrumento fundamental para fazer filosofia, a
analogia (1071a 5-15). Principalmente porque a analogia é um instrumento humano
para pensar, uma vez que não somos anjos, ou seja, não somos capazes de
conhecer as coisas pela essência, assim a analogia é fundamental para que
através, da observação do real, cheguemos a conhecer os princípios. Também
levamos em consideração que no conceito de analogia exposto por Aristóteles
existe uma certa idéia de participação. Também podemos concluir que a analogia
é importante para compreender que não somos capazes de esgotar o conhecimento,
pois nosso pensamento e capacidade de reflexão apresentam um limite, assim não
podemos absolutizar o que pensamos e raciocinamos.
Portanto cada uma das
substâncias sensíveis tem a sua forma, a sua matéria e a sua causa motora. E
aqui encontramos 3 dos 4 princípios que encontramos no início da Metafísica,
como lemos no semestre passado (causa material, formal, eficiente e final).
Segundo Aristóteles estes princípios são diversos para cada uma das substâncias
sensíveis e idênticos apenas por analogia. (1070 a 31-33).
Assim chegamos a termo do
conteúdo principal dos primeiros 5 capítulos do Livro XII da Metafísica.
Levando ainda em consideração que no final do capítulo 4 o autor faz menção a
um primeiro motor que seria causa de tudo, “depois,
tem aquilo que move tudo como causa primeira de tudo” (1070 b 34-35). E que
será objeto de reflexão dos capítulos seguintes.
Para além do conteúdo que
acabamos de refletir, podemos ter em conta diversos ensinamentos em nossa
pesquisa ou mesmo postura filosófica. Notamos em todo o livro o respeito de
Aristóteles com os filósofos precedentes, se por um lado não considera o
pensamento deles em sua totalidade, portando à reflexão somente o que toca ao
conteúdo próprio de onde quer chegar (as causas, princípios), de outro lado
deixa claro que não chega a seus resultados sozinho, como fazem, as vezes,
alguns filósofos contemporâneos. Estamos seguros de que assim deve ser o saber
filosófico um caminhar sempre avante, a partir do que já se caminhou, ainda que
as vezes, se tenha que mudar de caminho ou de estrada, mas se isso for
necessário, tenhamos presente que somente podemos mudar de direção se conhecemos
que a estrada não é correta. Aristóteles, ao meu ver, nos dá aqui, uma
verdadeira aula de como se constrói o saber filosófico.
Outro detalhe importante,
que, penso, pode nos ser importantíssimo é que Aristóteles, mesmo havendo uma
concepção cosmológica errada, própria do seu tempo, mesmo assim, através da
pesquisa séria, honesta, consegue chegar aos princípios verdadeiros, o que
também nos encoraja em nossa vocação filosófica, pois tantas vezes nos
deparamos com situações absolutamente adversas e opositores firmes em posições
obstinadas e erradas, no entanto se formos capazes de conduzir uma pesquisa
séria e honesta, poderemos como Aristóteles, portar nossos ouvintes cada vez
mais próximos à Verdade.