Aristóteles - Metafísica (Livro XII, 1-6)

         O livro XII da Metafísica de Aristóteles é certamente um dos mais estudados ao longo da história, talvez porque contenha muito bem formulada a sua doutrina sobre a substância, seus princípios e suas causas. O que podemos afirmar com segurança é que o Livro XII discorre propriamente sobre a filosofia primeira. O Livro XII (lambda) contém 10 capítulos, os 5 primeiros trata dos princípios e causas da substância sensível, no sexto é introduzido o tema da substância supra-sensível, ao qual os capítulos restantes tratarão de expor. Podemos afirmar com segurança que o conjunto do livro leva a cabo tudo aquilo que anuncia no início, isto é, uma verdadeira teoria sobre a substância, “buscamos os princípios da substância” (1069 a 19) e oferece tantas luzes a respeito dos princípios e causas das substâncias, que, como veremos “são três” (1069 a 30)
Ao longo da história muito se questionou sobre a autenticidade da autoria, ou mesmo se inicialmente faria parte do conjunto de livros da Metafísica, ou se seria um livro à parte. Hoje em dia são raros os que discutem a autenticidade do livro, uma vez que Teofrasto, sucessor de Aristóteles e também seu aluno muito próximo escreve posteriormente um livro no qual discute a Metafísica de Aristóteles e principalmente o conteúdo do livro XII, assim não temos motivos sérios para duvidar da autoria de Aristóteles, mas o que se pode convencionar é que inicialmente constituísse um livro separado e muito provavelmente precedente aos outros livros da Metafísica, seja porque não faz mensão aos outros livros, seja pela originalidade de seu conteúdo, que não reclama em nenhum momento o conteúdo dos livros precedentes e ainda porque seu conteúdo de certa forma está presente implicitamente nos outros livros da Metafísica[1].
Nos primeiros capítulos, ao falar de substância está se referindo aos seus gêneros, que são as móveis e incorruptíveis, isto é, os corpos terrestres (plantas, animais), depois às substâncias móveis e eternas, isto é, não corruptíveis, que são os corpos celestes (sol, lua, estrelas, astros etc)[2]. Depois, ainda no primeiro capítulo, apresenta um terceiro tipo de substância, eterna e imóvel, da qual procura demonstrar propriamente a existência, pois tem presente os filósofos precedentes, em especial os da Academia (Platão, Speusippo e Senócrates), para quem esse terceiro tipo de substâncias são as Idéias, os números ou ainda as Idéias-números (1069 a 34-36).
Os diversos estudiosos posteriores de Aristóteles, incluindo os cristãos, consideraram o livro uma verdadeira Teologia do autor, como se tratasse exclusivamente do terceiro tipo de substância, sobretudo porque tentaram buscar no autor o fundamento para a Unidade de Deus. Especialmente por isso, os autores árabes Avicena e Averróis acusavam os cristãos de serem politeístas, pois admitem essa Unidade de Deus em sentido mais absoluto, não admitindo a Unidade na Trindade dos cristãos.
Voltando aos primeiros 5 capítulos do livro lambda, notamos que o autor procura os princípios das substâncias sensíveis, fazendo referência ao seu livro intitulado Física, no qual demonstra que as substâncias sensíveis são sujeitas ao movimento, e para explicar o movimento não bastam apenas dois princípios contrários entre si como faziam os filósofos pré-socráticos – calor e frio, luz e trevas, etc – antes se faz necessário um substrato, ou seja, um sujeito material, que passe de um estado de privação quanto a forma, a um estado de posse de forma. Logo os princípios che explicam o devir da substância sensível são 3: substrato (matéria), privação e forma (1069 b 32-34). Depois Aristóteles ainda acrescenta que é necessário um outro princípio que faça passar o substrato da privação à forma, ou seja, da potência ao ato, e este princípio seria a causa eficiente (1069 b 35-1070 a 1).
Assim notamos que nos primeiros 5 capítulos além dos conceitos de substrato (matéria), privação e forma, Aristóteles introduz como princípio das substâncias sensíveis a causa eficiente.
Em relação à concepção de ato e potência também expressa pelo autor, podemos perceber que o autor entende a potência como uma possibilidade real em relação à forma. Por exemplo, um estudante de filosofia tem a potência real de se transformar em filósofo, mas não de passar a voar, em sentido físico, pois não possui potência real em relação a isso quanto a forma, ou seja, voar não é uma potência real para a forma humana.
Nos capítulos 4º e 5º Aristóteles apresenta também um instrumento fundamental para fazer filosofia, a analogia (1071a 5-15). Principalmente porque a analogia é um instrumento humano para pensar, uma vez que não somos anjos, ou seja, não somos capazes de conhecer as coisas pela essência, assim a analogia é fundamental para que através, da observação do real, cheguemos a conhecer os princípios. Também levamos em consideração que no conceito de analogia exposto por Aristóteles existe uma certa idéia de participação. Também podemos concluir que a analogia é importante para compreender que não somos capazes de esgotar o conhecimento, pois nosso pensamento e capacidade de reflexão apresentam um limite, assim não podemos absolutizar o que pensamos e raciocinamos.
Portanto cada uma das substâncias sensíveis tem a sua forma, a sua matéria e a sua causa motora. E aqui encontramos 3 dos 4 princípios que encontramos no início da Metafísica, como lemos no semestre passado (causa material, formal, eficiente e final). Segundo Aristóteles estes princípios são diversos para cada uma das substâncias sensíveis e idênticos apenas por analogia. (1070 a 31-33).
Assim chegamos a termo do conteúdo principal dos primeiros 5 capítulos do Livro XII da Metafísica. Levando ainda em consideração que no final do capítulo 4 o autor faz menção a um primeiro motor que seria causa de tudo, “depois, tem aquilo que move tudo como causa primeira de tudo” (1070 b 34-35). E que será objeto de reflexão dos capítulos seguintes.
Para além do conteúdo que acabamos de refletir, podemos ter em conta diversos ensinamentos em nossa pesquisa ou mesmo postura filosófica. Notamos em todo o livro o respeito de Aristóteles com os filósofos precedentes, se por um lado não considera o pensamento deles em sua totalidade, portando à reflexão somente o que toca ao conteúdo próprio de onde quer chegar (as causas, princípios), de outro lado deixa claro que não chega a seus resultados sozinho, como fazem, as vezes, alguns filósofos contemporâneos. Estamos seguros de que assim deve ser o saber filosófico um caminhar sempre avante, a partir do que já se caminhou, ainda que as vezes, se tenha que mudar de caminho ou de estrada, mas se isso for necessário, tenhamos presente que somente podemos mudar de direção se conhecemos que a estrada não é correta. Aristóteles, ao meu ver, nos dá aqui, uma verdadeira aula de como se constrói o saber filosófico.
Outro detalhe importante, que, penso, pode nos ser importantíssimo é que Aristóteles, mesmo havendo uma concepção cosmológica errada, própria do seu tempo, mesmo assim, através da pesquisa séria, honesta, consegue chegar aos princípios verdadeiros, o que também nos encoraja em nossa vocação filosófica, pois tantas vezes nos deparamos com situações absolutamente adversas e opositores firmes em posições obstinadas e erradas, no entanto se formos capazes de conduzir uma pesquisa séria e honesta, poderemos como Aristóteles, portar nossos ouvintes cada vez mais próximos à Verdade.




[1] Cfr. BERTI, Enrico. Struttura e significato della Metafisica di Aristotele. 10 lezioni, EDUSC, Roma 2008. 2° ed. p. 127-128.
[2] Devemos levar em consideração aqui que os gregos, como todos até o séc. XVII, acreditavam que a Terra fosse estática e que os astros giravam em torno dela.

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