São Tomás de Aquino - Summa Contra Gentiles (Cap I-IX)
>> segunda-feira, 29 de julho de 2013 –
Filo Medieval
A
Summa Contra Gentiles foi escrita por São Tomás de Aquino nos últimos
anos de sua vida e revela já a madurez de seu pensamento teológico-filosófico.
Apresenta as teses fundamentais do grande gênio católico, que já haviam sido
sinteticamente expostas em De Ente et Essentia e tem caráter
apologético, dado o contexto em que foi escrita. Mostra como se deve enfrentar
as outras religiões pelo confronto inteligente de ideias mais do que pela luta
violenta das armas. Discute-se muito se é uma obra filosófica ou
teológica, a partir de outras leituras
que realizamos ao longo de curso, eu afirmaria que é uma obra formalmente
teológica com rigor filosófico, pois os principais mistérios da fé são
analisados a partir do critério científico[1]
da razão, o doutor angélico se apresenta verdadeiramente “como guia
autorizado e insubstituível dos estudos filosóficos e teológicos.[2]”
O
autor apresenta suas teses fundamentais alicerçada na doutrina de Aristóteles,
mas repensando-a, questionando-a e corrigindo-a através da Revelação, nota-se
também que o angélico conhece profundamente os pensadores precedentes, pois
aparecem direta ou indiretamente na obra, entre eles Platão, Cícero, Porfírio,
Boécio, Avicena, Averróis em âmbito filosófico e Orígenes, Tertuliano, Gregório
de Nissa Gregório Magno e principalmente Santo Agostinho em âmbito teológico.
Especialmente nos capítulos 2 e 3 do livro I, vemos que o autor está exercendo
o papel de sábio católico.
O
livro I (cc.1-9), que nos propomos ler e analisar apresenta a Introdução do
autor (cc. 1-2), a dupla ordem das verdades sobre Deus (cc. 3-5), a relação
entre as duas ordens (cc. 6-8) e a divisão a ser seguida na obra (c. 9). Em
resumo, estuda o conhecimento da razão natural no que concerne a Deus, o cosmos
e o homem e que acidentalmente também pode ter sido revelado.
A
introdução de Sto. Tomás revela também sua intenção, compete ao sábio ensinar a
verdade e refutar o erro (c.1), o sábio cristão deve ensinar a Verdade e
refutar o erro oposto, o que seguramente podemos afirmar fez a vida toda o
santo, “portanto, como pertence ao sábio considerar principalmente o
primeiro princípio (verdade que é origem de toda verdade) e discorrer sobre os
outros, pertence-lhe impugnar também o erro contrário.”[3]
Em
seguida apresenta a dupla ordem das verdades divinas, a saber: a existência das
verdades naturais e sobrenaturais (c.3) e a conveniência da revelação em dois
âmbitos, o das verdades naturais (c.4) e o das
sobrenaturais (c.5)
A relação existente entre essas duas ordens de verdade mostra
que as verdades sobrenaturais não são inconsistentes para a razão e não há
contradição entre elas, pois a fé busca analogia nas verdades naturais, “embora
a supracitada verdade de fé cristã exceda a capacidade da razão humana, os
princípios que a razão tem postos em si pela natureza não podem ser contrários
àquela verdade (…) esses princípios estão também contidos na sabedoria divina.
Assim também, tudo que é contrário a eles contraria a sabedoria divina e não
pode estarem Deus. Logo as verdades recebidas pela revelação divina não podem
ser contrárias ao conhecimento natural.”[4]
No
cap. 9 apresenta o esquema geral a ser seguido em sua exposição: Deus,
conhecido na ordem natural e também na ordem Sobrenatural a partir da
revelação.
Em
minha opinião, a obra revela não apenas a agudez e maestria do doutor angélico,
como também uma atualidade impressionante, pois, como discutimos em aula, a
atual dicotomia entre fé e razão é proveniente da incompreensão daquilo que é
exposto nessa obra. Eu acrescentaria que o desconhecimento do que é objeto da
fé e do que é objeto da razão, faz com que estas realidades pareçam opostas e
inconciliáveis. Ainda que os últimos pontificados falem tanto o contrário, João
Paulo II chegou a dedicar uma encíclica ao tema[5]
e Bento XVI reflita constantemente tal relação.
A
conciliação e compreensão da necessidade da razão para compreender e fazer
crescer a fé continua sendo uma tarefa do verdadeiro filósofo cristão e nessa
perspectiva eu ousaria em dizer que o filósofo do presente e do futuro é Santo
Tomás de Aquino e que devemos lançar novas luzes sobre o seu pensamento e expor
seu método e conteúdo com maior criatividade.
[1]Nao me refiro aqui a
ciência em sentido positivista, e sim no sentido próprio do termo, como
sabedoria: “a doutrina Sagrada trata de Deus modo muito próprio, enquanto
Deus é a causa suprema, e não apenas ao que se pode dele conhecer mediante as
criaturas (…) como também quanto ao que só Ele pode conhecer de si mesmo e
comunicar por Revelação. Por isso, a doutrina Sagrada é a sabedoria por
excelência.” cfr. S. Th. q. I, 1,7.
[2]PAULO VI, Carta
“Lumem Ecclesiae”, n. 1 (20.11.1974)
[3]Summa Contra
Gentiles, Liv. I, c. 1, 4.
[4]Ibidem, Liv. I, c.
VII, 1-2.