São Boaventura - A recondução das ciências à Teologia
>> segunda-feira, 29 de julho de 2013 –
Filo Medieval
São
Boaventura em “A recondução das Ciências à Teologia”, assim como no Itinerarium,
busca explicar que o cristão só pode compreender o mundo em função da fé. Nessa
perspectiva, inteligência e contemplação, fé e pensamento se relacionam e se
interpenetram e mesmo se confundem ente si. O objetivo da Obra é demonstrar que
em essencialmente estas realidades são expressões diversas e vias comuns do
homem em direção ao Criador. É um texto que permanece atualíssimo levando em
consideração a frequente separação e
aparente oposição entre e ciência e fé presente em nossos dias e tematizada no
magistério recente da Igreja, em especial na encíclica Fides et Ratio de
João Paulo II e também constante na pregação de Bento XVI.
Uma
autêntica visão contemplativa da existência cristã exclui a visão de uma
natureza neutra e indiferente e quando iluminada pela graça, chamada na obra de
“luz da fé”, faz que a natureza se liberte da condição de mero reservatório de
energia e, num diálogo com a filosofia contemporânea, liberte o homem da
“vontade de poder”, como dizia Nietzche. Como bom franciscano, o santo medievo
demonstra que contemplar a natureza é ver a difusão de si mesmo e transcender às
realidade imanentes, já que o bem é difusivo.
A
obra demonstra que Deus é a Luz maior, da qual derivam várias outras, por isso
não se deve temer as ciências e sim reconduzi-las ao caminho certo, Deus. Eis a
ordem das luzes que emanam da Luz Maior; a primeira supre as necessidades do
proveito e do prazer do corpo, a segunda está relacionada com os sentidos e
permite aos homens perceber as formas corpóreas tornando-as luz interior; a
terceira diz respeito ao conhecimento advindo da reta filosofia “(...) que
se chama interior, porque inquire as causas interiores e secretas, o que se
obtém pelos primeiros princípios das ciências e da verdade natural.”[1]
Assim,
essa luz se divide em racional, natural e moral. A racional proporciona a
compreensão do discurso, a natural o entendimento das coisas em sua totalidade
e a moral corresponde a Luz dos costumes. Reconduzir as ciências à Teologia
significa ordenar a filosofia de três formas, quando rege o entendimento das
faculdades motoras é moral, quando relacionado ao conhecimento próprio e
natural, e quando se insere na faculdade interpretativa é discursivo.
A
filosofia quando bem utilizada é instrumento riquíssimo para a compreensão da
fé e da verdade revelada, “(...) por isso, a filosofia discursiva, ou
racional, divide-se em gramática, lógica e retórica, sendo que a primeira
ordena à expressão, a segunda à instrução e a terceira à persuasão”[2].
Nessa
perspectiva as ramificações das ciências adquirem particular relevância, em
especial a gramática, que ajuda a desenvolver a apreensão, a lógica o
julgamento, a retórica a função motiva e por isso todas fazem parte do discurso
reflexivo e são poderosos instrumentos da veracidade e da elegância em direção
às três “luzes”.
Existe
ainda uma quarta e última luz, mais importante do que todas, porque conduz às
realidade mais superiores, a Sagrada Escritura (tripartida em alegórica, moral
e anagógica, que iluminam acerca da realidade sobrenatural e provém do Pai das
luzes. Esta quarta e mais importante luz, embora única é também tríplice e
iluminam o saber moral que ensina ao homem como ele deve viver e também
clarifica o aspecto anagógico, que ensina ao homem como aderir a Deus.
Acrescenta
ainda, que as luzes podem ser entendidas por uma divisão em seis partes, como
aliás também o faz no Itinerarium, e se referem à Sagradas Escrituras,
ao conhecimento sensitivo, à arte mecânica, à filosofia racional, à filosofia
natural, à filosofia moral: “Portanto, há seis iluminações nesta vida, e
elas terão ocaso (...) e suceder-lhe-á o repouso do sétimo dia, que não conhece
o ocaso, o que é a iluminação divina (...)”[3].