São Tomás de Aquino - De Aeternitate Mundi
>> segunda-feira, 29 de julho de 2013 –
Filo Medieval
Nesta
obra escrita por Sto Tomás de Aquino, podemos notar de a sua tradicional agudez
de pensamento, bem como o seu vasto conhecimento da filosofia clássica, bem
como daquela que lhe era contemporânea. Podemos notá-lo observando que ao
abordar a questão da eternidade do mundo, como exporemos a seguir, o aquinate
apresenta em síntese aquilo que já se havia refletido a respeito do tema, em
especial em Platão e Aristóteles, mas também em Santo Agostinho e Santo
Anselmo, Boécio, São João Damasceno e Hugo de S. Vitor, que são nominalmente
citados na Obra. O livro é escrito também com o objetivo de responder aos críticos
mais fortes da absorção da filosofia aristotélica feita pelo cristianismo,
devido aos perigos que isso poderia gerar. O santo resolve magistralmente a
questão.
O
texto reflete se é lógico pensar em um universo que sempre tenha existido, isto
é, se é eterno, e, admitindo esta possibilidade, se isso é herético ou
repugnante à razão, uma vez que se sabe pela fé, que o universo é obra da
criação de Deus. Antes de mais nada, para responder tais questões, se faz
necessário entender duas coisas: o que é eternidade e o que é o tempo. Em
seguida será possível compreender se o mundo, entendido como o conjunto do
universo criado, é ou não eterno.
O
Aquinate aceita a concepção aristotélica do tempo, como medida do movimento
segundo um antes e um depois, o que implica aceitar que todo e qualquer
tempo deve conter princípio, meio e fim e que só pode haver tempo onde há
movimento, vale dizer que não está se referindo ao tempo local e sim ao
movimento em toda a sua abrangência metafísica, com relação à substância (geração
e corrupção), com relação à qualidade (alteração), com relação à qualidade
(aumento e diminuição) e com relação ao lugar (translação). Assim em todos
estes casos se dá o trânsito da potência ao ato. Por exemplo, uma madeira
quando pega fogo, transitou da potência para assumir a forma de fogo em ato e
tal movimento pressupôs um tempo para suceder. A propósito do tempo, é
justamente uma sucessão cronométrica, medida das coisas que mudam ou se
movimentam, segundo um antes e um depois.
Assim,
na sucessão cronométrica, o móvel altera a sua disposição entitativa
substancial e/ou acidental ao longo do movimento, como no caso da
madeira que corrompeu sua forma específica para assumir a do fogo. Em tal
exemplo a mudança foi substancial, mas pode ocorrer também uma mudança que seja
apenas acidental, em todos os casos há, portanto, uma duração sucessiva,
multiforme e finita nas ordens substancial e acidental.
Na
sucessão evométrica (intermediária entre o tempo e a eternidade), o móvel não
altera sua disposição entitativa substancial, embora transite acidentalmente da
potência ao ato, como no caso do anjo, que ao entender algo na ordem natural,
apenas atualiza um conhecimento virtual que já possuía, significa afirmar que o
antes e o depois do conhecimento natural do anjo não mudam suas disposições
entitativas, mudam-na, porém, quanto aos acidentes, o que faz com que a duração
do movimento seja simultânea, uniforme e finita na ordem
substancial, porém multiforme e sucessiva na ordem acidental.
Em
Deus, no entanto, há um eterno agora, como bem explicou Agostinho nas suas Confissões
e na Cidade de Deus, como afirma o Aquinate, o que significa afirmar que
não há alteração de nenhuma ordem, sendo a duração simultânea, uniforme
e infinita em sentido absoluto. Logo, nem o tempo e nem o evo pode ser
medida do Ser divino, pois como vimos em De Veritate, é ATO PURO, e não
pode ser medido pelo que tem mescla de potência. É justamente aqui que se dá a
eternidade, que é imutabilidade absoluta quanto ao ser, pois a ação criadora de
Deus acontece sem qualquer movimento na perspectiva metafísica.
Santo
Tomás explica a definição de Boécio sobre a eternidade como posse total,
simultânea e perfeita da vida interminável e de certa forma, vai mais além
quando observa não ser possível distinguir um antes e um depois em algo que
seja absolutamente imóvel quanto ao ser, definindo assim a eternidade como
uniformidade do (Ser) que em sentido absoluto está isento de movimento.
Assim,
o agora (nunc) do tempo está incluído no agora do evo e no da
eternidade, o agora do evo se inclui no da eternidade e o agora eterno de Deus
é a medida de todas as durações e nunca o inverso. Além disso a eternidade, em
sentido absoluto, é uma propriedade exclusiva do próprio Ser Subsistente, que é
Deus, não possuindo ele eternidade e sim sendo Ele mesmo eternidade absoluta.
Vejamos
o que Santo Tomás de Aquino entende por “eternidade do mundo” e como resolve o
problema aparentemente herético e repugnante a razão. Parte da premissa de que a
criação é algo que a razão natural pode demonstrar com argumentos suficientes,
assim sua pergunta será a seguinte: o mundo, entendido como incomensurável
conjunto de todos os entes naturais que perfazem o universo, foi criado desde
a eternidade ou no tempo? Pode a razão humana resolver
filosoficamente tal questão?
Como vimos acima, eterno em sentido próprio e absoluto somente Deus, sendo todas as demais coisas eternas partícipes da Sua
eternidade. Disso afirmam alguns tomistas que Deus não é apenas eterno, como
também ratio aeternitatis, isto é, a razão de ser da eternidade. Logo,
na hipótese de o mundo ser criado desde a eternidade, e não no tempo,
restará concluir que ele é eterno por participação, não considerando em
nenhum momento a possibilidade do mundo ser eterno simpliciter, pois “se
se entendesse que, à margem de Deus, o mundo pudesse ter existido desde sempre
como sendo algo eterno independentemente d´Ele, isto seria um erro abominável.”[1]
A
respeito da afirmação de Aristóteles de que o mundo é eterno, foi criado no
tempo ou desde a Eternidade? O Santo doutor responde que seria possível conceber um ente criado que tenha
existido desde sempre e que isso não seria repugnante à razão, mas não seria
este o caso e sim saber se existe criaturas ab aeterno. A sua conclusão
é de que a razão não pode concluir de forma segura nem que o mundo foi criado
no tempo e nem que foi criado desde toda eternidade, afirma apenas, que
sabemos, pela Revelação, que foi criado no tempo, mas que tal artigo de fé não
pode ser demonstrado filosoficamente, como pode ser por exemplo, que Deus criou
tudo do nada e é mantedor das coisas que existem no ser.
A
solução apresentada por Santo Tomás, contra os murmurantes, além de afastar o
medo de heresia ou de abandono total da filosofia aristotélica, concilia as
duas possibilidades a respeito da
eternidade do mundo, e demonstra sua honestidade intelectual em não querer
afirmar a fé a força de subestimar à razão, bem como a relevância da Sagrada
Escritura para compreender aquilo que por si só, pela inteligência, não é
demonstrável.
Ex
nihilo – non ex aliquo (sem causa precedente)
- post nihilum (ordine durationis e ordine naturae)