São Tomás de Aquino - De Aeternitate Mundi


Nesta obra escrita por Sto Tomás de Aquino, podemos notar de a sua tradicional agudez de pensamento, bem como o seu vasto conhecimento da filosofia clássica, bem como daquela que lhe era contemporânea. Podemos notá-lo observando que ao abordar a questão da eternidade do mundo, como exporemos a seguir, o aquinate apresenta em síntese aquilo que já se havia refletido a respeito do tema, em especial em Platão e Aristóteles, mas também em Santo Agostinho e Santo Anselmo, Boécio, São João Damasceno e Hugo de S. Vitor, que são nominalmente citados na Obra. O livro é escrito também com o objetivo de responder aos críticos mais fortes da absorção da filosofia aristotélica feita pelo cristianismo, devido aos perigos que isso poderia gerar. O santo resolve magistralmente a questão.
O texto reflete se é lógico pensar em um universo que sempre tenha existido, isto é, se é eterno, e, admitindo esta possibilidade, se isso é herético ou repugnante à razão, uma vez que se sabe pela fé, que o universo é obra da criação de Deus. Antes de mais nada, para responder tais questões, se faz necessário entender duas coisas: o que é eternidade e o que é o tempo. Em seguida será possível compreender se o mundo, entendido como o conjunto do universo criado, é ou não eterno.
O Aquinate aceita a concepção aristotélica do tempo, como medida do movimento segundo um antes e um depois, o que implica aceitar que todo e qualquer tempo deve conter princípio, meio e fim e que só pode haver tempo onde há movimento, vale dizer que não está se referindo ao tempo local e sim ao movimento em toda a sua abrangência metafísica, com relação à substância (geração e corrupção), com relação à qualidade (alteração), com relação à qualidade (aumento e diminuição) e com relação ao lugar (translação). Assim em todos estes casos se dá o trânsito da potência ao ato. Por exemplo, uma madeira quando pega fogo, transitou da potência para assumir a forma de fogo em ato e tal movimento pressupôs um tempo para suceder. A propósito do tempo, é justamente uma sucessão cronométrica, medida das coisas que mudam ou se movimentam, segundo um antes e um depois.
Assim, na sucessão cronométrica, o móvel altera a sua disposição entitativa substancial e/ou acidental ao longo do movimento, como no caso da madeira que corrompeu sua forma específica para assumir a do fogo. Em tal exemplo a mudança foi substancial, mas pode ocorrer também uma mudança que seja apenas acidental, em todos os casos há, portanto, uma duração sucessiva, multiforme e finita nas ordens substancial e acidental.
Na sucessão evométrica (intermediária entre o tempo e a eternidade), o móvel não altera sua disposição entitativa substancial, embora transite acidentalmente da potência ao ato, como no caso do anjo, que ao entender algo na ordem natural, apenas atualiza um conhecimento virtual que já possuía, significa afirmar que o antes e o depois do conhecimento natural do anjo não mudam suas disposições entitativas, mudam-na, porém, quanto aos acidentes, o que faz com que a duração do movimento seja simultânea, uniforme e finita na ordem substancial, porém multiforme e sucessiva na ordem acidental.
Em Deus, no entanto, há um eterno agora, como bem explicou Agostinho nas suas Confissões e na Cidade de Deus, como afirma o Aquinate, o que significa afirmar que não há alteração de nenhuma ordem, sendo a duração simultânea, uniforme e infinita em sentido absoluto. Logo, nem o tempo e nem o evo pode ser medida do Ser divino, pois como vimos em De Veritate, é ATO PURO, e não pode ser medido pelo que tem mescla de potência. É justamente aqui que se dá a eternidade, que é imutabilidade absoluta quanto ao ser, pois a ação criadora de Deus acontece sem qualquer movimento na perspectiva metafísica.
Santo Tomás explica a definição de Boécio sobre a eternidade como posse total, simultânea e perfeita da vida interminável e de certa forma, vai mais além quando observa não ser possível distinguir um antes e um depois em algo que seja absolutamente imóvel quanto ao ser, definindo assim a eternidade como uniformidade do (Ser) que em sentido absoluto está isento de movimento.
Assim, o agora (nunc) do tempo está incluído no agora do evo e no da eternidade, o agora do evo se inclui no da eternidade e o agora eterno de Deus é a medida de todas as durações e nunca o inverso. Além disso a eternidade, em sentido absoluto, é uma propriedade exclusiva do próprio Ser Subsistente, que é Deus, não possuindo ele eternidade e sim sendo Ele mesmo eternidade absoluta.
Vejamos o que Santo Tomás de Aquino entende por “eternidade do mundo” e como resolve o problema aparentemente herético e repugnante a razão. Parte da premissa de que a criação é algo que a razão natural pode demonstrar com argumentos suficientes, assim sua pergunta será a seguinte: o mundo, entendido como incomensurável conjunto de todos os entes naturais que perfazem o universo, foi criado desde a eternidade ou no tempo? Pode a razão humana resolver filosoficamente tal questão?
Como vimos acima, eterno em sentido próprio e absoluto somente Deus, sendo todas as demais coisas eternas partícipes da Sua eternidade. Disso afirmam alguns tomistas que Deus não é apenas eterno, como também ratio aeternitatis, isto é, a razão de ser da eternidade. Logo, na hipótese de o mundo ser criado desde a eternidade, e não no tempo, restará concluir que ele é eterno por participação, não considerando em nenhum momento a possibilidade do mundo ser eterno simpliciter, pois “se se entendesse que, à margem de Deus, o mundo pudesse ter existido desde sempre como sendo algo eterno independentemente d´Ele, isto seria um erro abominável.”[1]
A respeito da afirmação de Aristóteles de que o mundo é eterno, foi criado no tempo ou desde a EternidadeO Santo doutor responde que seria possível conceber um ente criado que tenha existido desde sempre e que isso não seria repugnante à razão, mas não seria este o caso e sim saber se existe criaturas ab aeterno. A sua conclusão é de que a razão não pode concluir de forma segura nem que o mundo foi criado no tempo e nem que foi criado desde toda eternidade, afirma apenas, que sabemos, pela Revelação, que foi criado no tempo, mas que tal artigo de fé não pode ser demonstrado filosoficamente, como pode ser por exemplo, que Deus criou tudo do nada e é mantedor das coisas que existem no ser.
A solução apresentada por Santo Tomás, contra os murmurantes, além de afastar o medo de heresia ou de abandono total da filosofia aristotélica, concilia as duas possibilidades a respeito  da eternidade do mundo, e demonstra sua honestidade intelectual em não querer afirmar a fé a força de subestimar à razão, bem como a relevância da Sagrada Escritura para compreender aquilo que por si só, pela inteligência, não é demonstrável.


Ex nihilo – non ex aliquo (sem causa precedente)
- post nihilum (ordine durationis e ordine naturae)




[1]De Aeternitate Mundi, n. 1.

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