Resumo Final - Lendo os filósofos medievais
>> segunda-feira, 29 de julho de 2013 –
Filo Medieval
Trabalho de conclusão do curso
Introdução
Ao longo do semestre tivemos a oportunidade de
conhecer alguns dos principais representantes da filosofia medieval cristã (S.
Agostinho, Boécio, S. Anselmo, S. Boaventura, Sto Tomas de Aquino) e, lendo
seus textos mais relevantes, aprofundamos a reflexão a respeito das relações
entre fé e razão, tão importantes no diálogo com a cultura propostas pelo
Concilio Vaticano II e para a compreensão dos problemas existenciais hodiernos,
na minha opinião, decorrentes do abandono da Metafísica e consequente renúncia
a Verdade absoluta (relativismo). Dentre os diversos temas tratados ao longo do
nosso curso gostaria de destacar aquilo, que dentro da minha reflexão pessoal e
pequena experiência sacerdotal como formador de consciências, me parecem mais
relevantes.
1.
Liberdade, livre arbítrio, o problema do mal e da
felicidade em S. Agostinho. (De libero Arbitrii, livro II) - O
santo de Hipona apresenta a liberdade como criação de Deus e meio fundamental
para a felicidade suprema do homem e dos seres capazes dela. O livre arbítrio é
apresentado como um desdobramento da liberdade, que embora permita abusar dela
na escolha do mal, em si mesmo consiste num bem, na medida em que é também uma
criação de Deus, fonte de todo bem o do qual não pode advir nenhum mal. Analogamente,
o mau uso dos seres corporais não impedem que os corpos sejam um bem em si
mesmos, logo o livre arbítrio, ainda que possa ser usado para o mal permanece
sendo um bem. Nessa perspectiva o autor resolve também o problema do mal moral,
que consiste numa inversão de bens, no qual o homem deixa de escolher o Bem
Supremo, Deus, por um bem inferior, o que S. Agostinho afirma ser uma aversão a
Deus, para uma conversão a criatura (Conversio
ad creaturam et adversio Deo). A felicidade consistiria, portanto, na posse
plena da Verdade Suprema e Absoluta, que em última instância é o próprio Deus.
Tal posse começa neste mundo de forma parcial e será plenificada na vida
eterna, porém quanto maior o grau de liberdade, maior a "posse da
felicidade" oriunda de Deus.
2.
A Providência, o livre arbítrio, o acaso e o
destino em Boécio[1] - A Providência é apresentada como "aquele
plano divino, existente na mente do Senhor do mundo, que tudo ordena."[2]
O destino, como encadeamento de causas ou ainda como disposição a tudo aquilo
que pode se mover, cabendo a ele organizar na multiplicidade tudo aquilo que
foi fixado pela Providência, regra multiforme com que Deus governa o universo e
que comporta uma unidade da ordem variável do destino. Assim, nenhum fenômeno
se dá sem que seja produzido acidentalmente ou por um encadeamento inevitável
de causas, pois do nada, nada provém. Logo, o acaso seria um fenômeno
inesperado, cujas causas resultam de circunstâncias fixadas pela Providencia e
não da ação intencional do homem.
O livre arbítrio, característica dos seres
racionais, como em S. Agostinho, serve para que efetivamente possam deliberar
sobre os bens desejáveis e indesejáveis ao plano da salvação, e o grau de
liberdade estará, mais ou menos desenvolvidos naqueles que estiverem mais próximos
da Inteligência Divina mediante a contemplação. Assim Boécio resolve o problema
da relação entre livre arbítrio e destino. A solução, portanto, consiste em que
Deus não está sujeito ao tempo e abarca a totalidade do ser num agora único, atemporal e simultâneo e
nisso consiste sua eternidade, sendo o momento humano apenas uma fraca imagem
daquele eterno e atemporal agora.
Portanto a devida compreensão advém da distinção entre a pura eternidade de
Deus (aeternum) e uma eternidade no
sentido de um fluxo indefinido do tempo (perpetuum),
que poderia convir ao mundo. Por isso não há para Deus, nenhuma pré-vidência,
tudo que para o homem é futuro, para Deus é presente em sua eternidade, logo o
homem não pode "enganar" a Providência, uma vez que tudo é conhecido
por Deus atemporalmente, e o que é planejado por ele, se encontra já realizado
no conhecimento de Deus.
3. Prova racional da existência de Deus em S. Anselmo[3]
e em S. Boaventura[4]
– S. Anselmo apresenta a Obra como "Exemplo de Meditação Sobre as
Razões da Fé", para racionalmente demostrar a existência de Deus, "ser do qual não é possível pensar nada maior"[5].
Para tanto, serve-se do conceito de participação de Platão, bem como da
observação atenta da realidade, na qual se dá as diferentes escalas de perfeição
dos entes. Em outras palavras, o fundamento da existência das coisas (ser per
aliud) está necessariamente na existência da Suprema Natureza (ser per
se), caso contrário, o devir das coisas seria contraditório. O
chamado "argumento ontológico", possui três fundamentos: a) uma noção de Deus fornecida pela fé;
b) a convicção de que existir no
pensamento já é verdadeiramente existir; c)
a concepção de que a existência da ideia de Deus no pensamento exija também sua
existência real. Nessa perspectiva se conclui que Deus é Ser Supremo e
plenamente sabedoria, verdade, potência, e beatitude e tais atributos não
pertencem a Ele simplesmente como qualidades exteriores agregadas à sua Essência
e sim idênticas a ela, pois Deus não participa de nada, uma vez que é por si mesmo tudo aquilo que é, e tudo
aquilo que possui ser, somente o possui na medida em que participa do seu Ser.
Tal exposição foi fortemente criticada na
filosofia posterior por não explicar perfeitamente a passagem da ordem ideal
para a real, mas foi, de certa forma, complementada por S. Boaventura. O santo
franciscano não parte de uma ideia de Deus constituída sobre a mente humana,
mas de uma ideia que se impõe à mente humana, uma presença real que faz o homem
pensá-Lo. Na sua argumentação nao se infere uma realidade a partir de
uma ideia, e sim se descobre uma realidade que está
sob e se revela através de uma ideia.
Como bem afirma E. Gilson, “S. Boaventura
notou muito bem que a necessidade do ser de Deus ‘quoad se’ (considerado em si
mesmo) é a única razão suficiente de sua existência ‘quoad nos‘ (considerado em
relação a nós)."[6]
Sua teoria da iluminação explica que a certeza de Deus é uma irradiação do seu
Ser Divino sobre o nosso pensamento.
4. A Verdade em Sto Tomás de Aquino (De Vertitate
q.1-5) - Filósofos de todos os tempos abordaram em algum
momento a questão da Verdade e o Santo Doutor, considerado o maior filósofo e
teólogo cristão, não poderia ser diferente. Ele a apresenta "como uma certa adequação entre a inteligência
e coisa". Daí se conclui que sua definição primeiramente pressupõe uma
relação, ou seja, a verdade não é algo isolado dentro da ordem das coisas que
são, e tal relação tem vários modos e várias características que podemos
postular. A explicação tomista, nos permite afirmar, que sua filosofia é
realista, isto é, pressupõe a realidade dos entes. Assim, a verdade está
primeiramente nas coisas como fonte, daí não poder dizer que há falsidade nas
coisas, a falsidade estaria, portanto, no intelecto, que pode julgar. O segundo
pressuposto é que a verdade se dá formalmente na inteligência, ou seja,
conhecer algo tem sempre um caráter de intencionalidade. A exposição do
aquinate concorda e aprimora aquela de S. Agostinho, quando afirma que "A Verdade é o meio pelo qual se manifesta
aquilo que é". Assim, a verdade deve estar nas coisas e no intelecto e
ambas convergem juntas com o ser. O "não-ser" não pode ser verdade
até que a inteligência humana o torne conhecido, ou seja, quando for apreendido
através da razão. Portanto, somente se pode conhecer a verdade quando se
conhece o que é o ser.
5. A verdadeira vocação do
filósofo - As diversas leituras e reflexões em aula
trazem como pano de fundo a verdadeira vocação do filósofo, e a que me pareceu
mais precisa é aquela de Sto Tomas de Aquino "(…) os sábios são aqueles que diretamente ordenam as coisas, por
isso entre outras funções que os homens os atribuem, a de que pertence a ele
ordenar é a proposta pelo filósofo".[7]
A definição do ofício do sábio tem força por si mesma na agudez típica da
exposição racional e coerente daquele que encarnou na própria vida tal vocação.
Boécio apresenta ainda a Filosofia como um itinerário espiritual para todos
aqueles que aspiram a felicidade verdadeira. O fato é que a aspiração à
felicidade é inerente ao homem em todos os tempos e contextos e é justamente
nessa linha que o filósofo adquire papel relevante contribuindo para que os
homens de boa vontade possam caminhar ao encontro da posse dessa Verdade
Absoluta e Suprema.
Conclusão
O diálogo entre Fé e Razão, tão presentes na
reflexão filosófica cristã de todos os tempos e especialmente no magistério
recente da Igreja pode ser feito de diversas formas como nos ficou claro em
nosso plano de leituras. Não importando se a reflexão parte da Sagrada
Escritura como o faz S. Agostinho e S. Boaventura ou se partam simplesmente da
razão e a ela façam referência como ponto de chegada, como em Boécio e S.
Anselmo.
A filosofia, quando bem orientada, não
apresenta riscos a fé, antes “são como
duas asas que se elevam para o céu”.[8]
A filosofia pode ser ainda um imprescindível instrumento de apologética cristã,
mostrando como se deve afrontar as questões essenciais da existência humana e
outras religiões pelo confronto inteligente das ideias mais do que pela luta
violenta das armas, como insistentemente afirma o papa Bento XVI. O mais importante
de tudo é ficar claro o quanto a razão humana é um atributo dado por Deus a fim
de que o homem possa chegar a Ele, e assim dar o assentimento do coração e da
vontade.
[4] Itinerarium,
cc.1-7;
[5] S. Anselmo, Menologiom, cap. I.
[6] Cfr. E. Gilson, L’Espirit de la Philosophie Médievale, libr. Philosophique J. Vrin,
Paris, 1948, p. 60.
[7] Summa Contra
Gentiles, liv. I, 1.
[8] João Paulo II, Fides et Ratio, Carta Encíclica, 1998.