II. 8. Fim último e felicidade em Santo Tomás de Aquino




1. Linhas fundamentais da investigação tomista sobre o fim último

    Santo Tomás de Aquino utilizou amplamente a ética aristotélica para exposição sistemática de seu pensamento moral, utilizou também outros filósofos e destacou-se como o maior teólogo cristão de todos os tempos, além disso não se pode estudar filosofia sem fazer referencia o doutor angélico.

    A ética tomista é uma filosofia prática do ponto de vista da primeira pessoa.Ocupa-se do fim último ou bem supremo da vida humana. O nosso estudo poderá ser aprofundado estudando o Livro III da Suma contra os gentios.

     Para o santo o fim último em um bem desejado por si mesmo. Sacia por completo a vontade e as inclinações humanas e é incompatível com qualquer mal, incluindo o temor de perdê-lo. Uma vez obtido, o desejo se detém. É verdadeiramente o objeto último e conclusivo da vontade.

     Ao elaborar sua metafísica creacionista, sto. Tomás estabeleceu que Deus é o fim último da criação e das criaturas e estabeleceu claramente em que sentido O é. Mas isso não resolve o problema específico da moral.

     Santo Tomás se pergunta sobre qual atividade ou qual bem pode saciar completamente o desejo humano e se essa atividade existe pergunta se está ao alcance do homem.

     Continua sua investigação perguntando se algum tipo de operação humana que tenha Deus como objeto pode aquietar o desejo humano. Poderia isso ser uma operação da vontade? Considerando rigorosamente a pergunta a resposta deve ser negativa, por razões que mais tarde elucidaremos, quando estabelecermos melhor o papel da vontade na vida moral.

       Do âmbito da vontade passa para inteligência e aqui surge a pergunta pela inteligência prática, que é a inteligência que ordena as ações. A questão colocada, em suma, é se a vida ordenada pelas virtudes morais pode ser o bem que sacia por completo a vontade humana, como pensavam os estóicos. A resposta é também negativa.

      As virtudes morais regulam as paixões e as ações humanas, mas ambas fazem referência a outro aspecto: o equilíbrio interior, a conservação da harmonia entre os homens (como é o caso da justiça). É certo que o agir bem é um fim que possui valor em si mesmo, mas a vida não está em função da ordem e sim a ordem em função da vida.

       As virtudes morais não são, portanto o objetivo que realiza plenamente a vontade, posto que ela é uma ordem que a razão estabelece no comportamento, logo não poderá ser ela própria a felicidade, será antes um bem com valor em si mesmo, mas que está a serviço da felicidade e não o inverso.

      Para o doutor angélico, para qualquer ser dotado de conhecimento intelectual somente o conhecimento da essência de Deus é um bem verdadeiramente completo e auto-suficiente e que sacia por completo a vontade.

      Ao abordar Deus, Tomás de Aquino, não o faz sem deixar de ser filósofo, pois a maneira pela qual O concebe, pode e deve sempre ser alcançado racionalmente.

      Pode-se falar também em uma espécie de felicidade imperfeita a partir do pensamento tomista, esta seria a participação da felicidade perfeita nesta vida e que consiste principalmente na contemplação e num segundo memento na atuação da razão prática que ordena as ações e paixões humanas, ou seja, na vida ordenada segunda as virtudes morais.

      A  felicidade imperfeita compreende, portanto os graus de felicidade aos quais falava Aristóteles. Assim, duas realidades merecem um estudo mais amplo: a natureza da felicidade perfeita e a relação existente entre esta e a vida moral.

2. A felicidade em Santo Tomás de Aquino

     Santo Tomás sustenta que o homem e qualquer ser dotado de razão, só é saciado na visão da essência divina e isso só se dá através da mesma essência de Deus, de modo que tal visão é a própria essência divina que se vê. Vale uma ressalva: ver a essência de Deus cara a cara não significa compreendê-la, pois para ele nenhuma criatura pode chegar a isso.

     Ressalta que não é possível a nenhum ser criado alcançar por sua própria virtude a visão divina, antes seria necessário que o entendimento criado seja elevado por alguma influência da divina bondade à divina visão, na qual todos os desejos humano são plenamente saciados.

3. Fim último e vida moral

     Por último, compreendamos como o santo doutor entende a relação entre felicidade e a vida moral e de que modo a felicidade, segundo acabamos de refletir, constitui uma orientação prática para as decisões que o homem tem que tomar em sua vida.

    A felicidade perfeita não pode ser obtida pelo homem somente através de suas forças e nesse sentido não é um resultado exato das atitudes humanas. Pressupõe uma intervenção de Deus, mais concretamente, sua livre decisão de estabelecer a intima comunhão com o homem que se dá através da visão beatífica.

     Considerando esse plano divino, as obras boas do homem são consideradas meritórias, porque através delas o homem merece ou se faz digno de chegar a união com Deus. O conceito de premio não é estranho a reflexão filosófica, entre outros a utilizam Aristóteles e Kant.

      Convém, no entanto, estabelecer que a ética de Tomás de Aquino não é uma “ética de recompensa”, pois o próprio agir bem e retamente já constitui a recompensa por si mesmo, além disso, para ele não seria plenamente virtuoso agir bem apenas em vista de um premio e sim pela intrínseca bondade das ações virtuosas.

      Assim, Sto. Tomás concebe a moral de um modo muito diverso. Sustém que segundo o amoroso desígnio de Deus, o homem é destinado à felicidade perfeita e entre o conteúdo da felicidade imperfeita (a vida ordenada segundo as virtudes) e o da felicidade perfeita existe uma conexão essencial, enquanto a primeira constitui em si mesma uma participação sem coação da segunda e esta última é a culminação daquela.

     Tudo isso é possível porque o homem é um ser dotado de inteligência e vontade, liberdade, e pode direcioná-la, não sem a intervenção divina, para a Felicidade perfeita, o conhecimento de Deus.

     Então qual seria o papel da razão e da vontade na vida moral?
     A vontade seria o desejo de consumação da felicidade “ipsum gaudium (voluntatis) est consummatio beatitudinis”, a razão direciona a vontade para entrar em contato com seu objeto de desejo a partir do reto conhecimento.

     Ao se falar da vida moral, que é participação sem coação da felicidade perfeita, a retidão da vontade adquire particular relevância, pois seria a busca sincera do fim último mantendo sempre essa direção, apesar de todas as tendências, paixões e ações humanas.

     A ssim, só quem tem vontade boa é bom em absoluto, pois graças a ela é que utilizará para  o bem todos o seus recursos e possibilidades.

     Para ele, a essência da retidão moral é o amor (caridade) e todas as virtudes podem ser vistas como aplicações diversas desse amor no comportamento humano. Por exemplo. A temperança é o amor que se entrega completamente ao que ama, a fortaleza é o amor que suporta tudo pelo que ama, a prudência é o amor que discerne sagazmente o que favorece o amor e o que o obstaculiza etc. Para Santo Tomás, a caridade é a forma de todas as virtudes.

       Outra novidade em relação ao pensamento de Aristóteles é o modo de conceber o amor e a amizade. Aristóteles tem uma importante teoria sobre a amizade, cujo verdadeiro laço é a virtude, assim um virtuoso não poderia ser amigo de um viciado. Já o amor cristão de santo Tomás comporta a caridade para com os que erram e aos que nos ofendem, pois abrange o perdão, que representa uma verdadeira revolução do conceito de bem humano.

      Uma questão ainda merece ser considerada: para sto. Tomás, os homens se encaminham para a felicidade perfeita através de uma multitude de ações. Assim quer manifestas que a vida humana se desdobra no tempo, passando por circunstâncias e situações muito diversas. Cada pessoa tem que projetar e realizar o gênero de vida que mantenha a coerência com o bem ultimo, mas este admite sempre modalidade diferentes de atuação concreta segundo a diversidade de pessoas e situações.

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