São Tomás de Aquino - Questões Disputadas Sobre a Potência de Deus (q. 1 a. 4-7)
>> quinta-feira, 28 de novembro de 2013 –
Filo Medieval
Questiones Disputatae de Potentia Dei
Como anunciado no proêmio, De
Potentia trata de 7 temas acerca da potência de Deus. Na primeira parte do
resumo tratamos dos 3 primeiros e neste trataremos de explicitar os 4 últimos,
a saber: se o juízo acerca de algo ser possível ou impossível é conforme as
causas inferiores ou superiores; se Deus pode fazer o que não faz e deixar de
fazer o que faz; se Deus pode fazer o que os outros fazem, como pecar, andar
etc; e porque se diz que Deus é
onipotente.
Quanto ao quarto artigo, se o
juízo acerca de algo ser possível ou impossível é conforme as causas inferiores
ou superiores, seguindo a mesma lógica dos artigos anteriores, S. Tomás explica
que sim, porém somente segundo o juízo dos filósofos, pois o juízo acerca do
possível e do impossível pode ser considerado de dois modos: por parte de quem
julga e por parte do que é julgado. Quanto à primera explica que se refere a
duas ciências, sendo que uma considera as causas mais altas (teologia) e outra
as menos altas (filosofia), sendo assim o juízo de quem julga não pode ser
considerado univocamente em ambas, e sim segundo as causas que consideram uma e
outra ciência.
Por exemplo, o juízo de um
médico e de um astrólogo não podem ser considerados da mesma forma, pois um julgará a saúde de um
enfermo segundo causas próximas, ou seja, a partir da natureza própria da
enfermidade, o astrólogo por sua vez, julgará segundo as causas remotas, isto
é, segundo a posição dos astros.[1]
Analogamente a sabedoria também deve ser compreendida segundo dois modos
diversos, um filosófico, que julga as causas inferiores, e as julga a partir
destas mesmas causas e outro teológico, que julga as causas superiores
(divinas) a partir delas mesmas. Por causas superiores se entende os atributos
divinos, como a sabedoria, bondade etc. A partir daí explica que não tem
sentido considerar esta questão com relação aos efeitos que só podem ser
produzidos por causas superiores, ou seja, que só Deus possa fazer, pois estes
efeitos não convêm ser denominados possíveis ou impossíveis com relação às
causas inferiores. “Se, porém, se
considera este juízo quanto à natureza daquilo a que se julga, é evidente que
os efeitos devem ser julgados possíveis com relação às causas próximas, já que
a ação das causas remotas se determina com relação às causas próximas, as quais
imitam principalmente os efeitos: e, por isso, com relação a elas se forma
principalmente o juízo sobre os efeitos.”
No que se refere ao quinto
artigo, se Deus pode fazer o que não faz e deixar de fazer o que faz, conclui
que sim, refutando a tese de Pedro Abelardo. O erro dele se dá por dois
motivos: primeiro por considerar que Deus age por necessidade de natureza e segundo
por considerar que Deus cria as coisas conforme a ordem da sua sabedoria e sua
justiça, sendo assim estaria obrigado a não romper com elas, porém Deus não age
por necessidade de natureza, pois a natureza é obra
da sua Inteligência, logo quando um ser criado age por natureza está limitado
ao fim nela impresso pela inteligência divina. No caso de Deus isso é
impossivel, pois ele mesmo é a Inteligência da natureza, e primeiro agente.
Notamos que aqui recorre a noção de
causa final, que é sempre presente no intelecto do agente. “Logo, é evidente que Deus pode absolutamente
fazer outras coisas para além das que fez.”
Em sentido muito prático, este
artigo nos permite responder a questões fundamentais da nossa experiência
existencial humana. Quem por exemplo, diante um sofrimento real, diante do mal
real, nunca perguntou a si mesmo, porque Deus permitiu que tal coisa
acontecesse, porque não fez de outra forma? a partir do que acabamos de
estudar, vemos que Deus faz e permite aquilo que quer, e a sua vontade é sempre
a mais perfeita, e quanto isso nos dá segurança para transcender à experiência
do mal e também para ter a certeza, também filosófica, que o mal não é e não
será a resposta última desta e toda e qualquer situação que nos encontrarmos.
No sexto artigo trata daquele
que pessoalmente me pareceu o tema mais importante e atual da obra, isto é, se
Deus pode fazer o que os outros fazem, como pecar, andar e outras coisas
semelhantes e conclui que não. A pergunta de fundo é se Deus pode tudo o que pode
a criatura? E a resposta é não.
Explica que aquilo que Deus não
pode de modo absoluto, deve ser compreendido de duas formas, da parte da
vontade, e da parte da potência. Quanto a primeira é evidente que Deus não pode
fazer aquilo que não quer e se Deus é sumamente bom não pode querer algo
contrário à sua Bondade como, por exemplo, pecar. Quanto à parte da potência,
quando se diz que Deus não pode algo, isso também é dito de dois modos, em
vitude da própria potência ou em virtude do possível. Quanto à primeira,
considerada em si mesma é infinita e sem defeito, mas existem coisas que se
referem ao nome potência mas na realidade são defeitos, por exempo poder
falhar, e nesse caso Deus evidentemente não pode falhar, pois como foi dito,
sua potência não possui defeito algum, “E
por causa disso se diz que alguma potência é perfeita, conforme diz o Filósofo
em Metafísica, V, 12, 1019ª
26-32, quando não pode estas coisas.” Por isso mesmo Deus não pode também
mover-se, pois que o movimento implica certa imperfeição. Quanto ao possível,
como já foi tratado no artigo acima, Deus não pode fazer algo que implique
contradição, justamente porque a contradição é defeito e imperfeição.
No sétimo artigo responde por que se diz que Deus é onipotente. A
resposta fica evidente a partir do que já foi explicado nos artigos anteriores,
ou seja, que Deus é onipotente “porque pode todas as coisas que são
possíveis em si mesmas.”, que não implicam contradição em si mesmas. Conclui
ainda neste artigo porque de Deus se pode dizer onipotente, mas não onivolente,
e a resposta, resumidamente, é que não ser onivolente em Deus é atributo da sua
perfeição.
Nestes
últimos artigos da obra, podemos notar novamente o quanto a analogia é um
recurso importante e mesmo fundamental para o pensamento filosófico, e dentre
outras questões notamos também a aplicação de muitos conceitos da retórica de
S. Agostinho presentes no aquinate como, por exemplo, fechar discussão de questões
muito abertas e abrir a discussão de questões muito fechadas. Aprendemos ainda
que, em filosofia, em primeiro lugar, quando deixamos claro primeiramente o que
estamos pesquisando, diminui consideravelmente nossas chances de erro.
Pensemos
que esta obra é aquela em que S. Tomás desenvolve com mais profundidade o tema
sobre a onipotência de Deus, evidentemente aborda a questão em diversas outras
obras, mas nessa sem dúvida, pode ser considerada sua carta magna sobre a
onipotência de Deus tendo sempre como ponto de partida o que é real. Como foi
dito no resumo anterior, a obra nos permite identificar também claramente o método
filosófico do autor, e seus instrumentos fundamentais, a saber, a analogia em
primeiro plano, mas também a dialética, a honestidade intelectual e abertura à
busca da verdade, o que nos permite estabelecer também uma certa relação com os
diálogos socráticos de Platão, onde a maiêutica nos permite “gerar” a verdade, ou melhor, encontrá-la.
[1] Aqui deve-se ter
em conta o contexto científico da época no qual se acreditva que a posição dos
astros exerciam certa influência sobre a saúde ou enfermidade de alguém, o que
hoje não está absolutamente superado, porém sem a mesma relevância científica.