Locke, Russeau, Stuart Mill - Lei Natural
>> domingo, 10 de novembro de 2013 –
Filo Moderna
Introdução
A
partir das leituras propostas em nosso plano de estudos, o presente trabalho
trata de aprofundar brevemente ou clarificar a posição dos diversos autores
acerca da Lei Natural, abordada sob diferentes pontos de vista, seja pelo
contexto histórico, seja pela própria corrente filosófico-políticas as quais
pertencem. Os diversos autores nos pemitem extrair diferente aspectos desse
tema de hodierna relevância, uma vez que a lei natural é um pressuposto
importante na discussão acerca da busca da Verdade, objeto e objetivo de toda
boa filosofia.
Lei Natural - J. Locke (1632-1704)
Antes
de tudo podemos delinear as características fundamentais da Lei Natural
apresentado pelo autor: é dada pela natureza; é racional, porque é descoberta
pela razão e agir contra ela é agir contra a própria razão; é universal, porque
é comum a todas as pessoas; é independente ds convenções humanas, pois nao
dependem de contextos humanos específicos.
Por
isso Locke explica que a Lei Natural é o decreto
divino reconhecível pela luz natural
“que indica o que está e o que não está em conformidade com a natureza racional.”[1]
Num
segundo momento procuremos entender para quê serve a Lei Natural. Baseado no
autor podemos responder que ela serve para proteger o homem e PRESERVAR a
própria vida, é recebida de Deus.
A
doutrina política de Locke apresenta aspectos fundamentais que sintetizam seu
pensamento e nesse âmbito a lei natural adquire relevância fundamental, bem
como o conceito de “estado de natureza”, que é condição natural do ser humano,
do qual se extrai diretrizes básicas à compreensão do poder político, e o
consentimento como alicerce do corpo político, autorizando a sujeição política
e impondo obrigações civis. Tais argumentos são chave do seu pensamento político.
Neste resumo, contudo, desejo enfatizar apenas o papel da lei natural, deixando
para ulterior reflexão os outros dois.
Seu
ponto de partida é o indivíduo, o homem livre, igual e racional – senhor de
direitos e obrigações, para depois chegar a sociedade política. O homem que
vivia antes no estado de natureza, sem qualquer artifício da vida civil, e por
uma opção racional, decide viver em uma sociedade política (pactum societatis), consentindo na
instituição de poder único (pactum
subiectionis). O fundamento de tudo é justamente a certeza da existência de
uma lei interior comum a todos os homens e que os obriga a agir segundo um
critério racional.
Assim,
através dela, a comunidade política surge para reestabelecer a paz e harmonia
social outrora existente no estado de natureza, voltando-se à preservação do
bem público. A sociedade política substituindo a comunidade natural, pretende a
preservação do ser humano, o que implica no reconhecimento do homem como um ser
diferenciado como pessoa, sujeito a direitos e obrigações, proprietário de sua
própria pessoa.
Podemos
identificar implicitamente uma ordem fundamental no desenvolvimento do
argumento da lei natural na obra de Locke, sobre o qual desenvolve outras teses
basilares: existe uma lei natural; ela pode ser conhecida não intuitivamente e
nem sequer por consenso e sim através da razão sobre os dados da esperiência
sensorial; ela se impõe; é universal e atemporal.
O
seu raciocínio procura ser simples, porém lógico, e decorre do fato de que Deus
é o autor dessa lei, e assim o quis para que ela fosse “a regra de nossa vida moral, e Ele a tornou suficientemente conhecida,
de modo que apode compreender quem quer
que se disponha a aplicar diligente estudo e a dirigir sua mente ao
conhecimento dela.”[2]
Podemos
afirmar ainda que ao tratar da lei de natureza, como regra de conduta moral
universal que impõs deveres aos seres humanos singulares, Locke segue a trilha
da tradição tomista do “jusnaturalismo”.
Por
fim podemos ainda destacar as relações da lei de natureza com outros âmbitos de
lei, sobre os quais se fundamentam a organização política e social enquanto tal.
A lei positiva, convencional e aplicada em contextos específicos é estabelecida
e a lei divina, revelada por Deus. Locke defende ainda que a lei natural e a
lei divina, apesar de não serem a mesma coisa, não podem ser incompatíveis,
pois em Deus é princípio e fim de ambas.
Eis
algumas consequências práticas da Lei de Natureza no Estado Natural:
-
Todas a pessoas tem o direito de emitir juízo sobre as ações que estão ou não
de acordo com a lei natural;
-
Todas as pessoas tem o direito de se defender – usando a força, se necessário –
daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural;
-
Todas as pessoas tem direito de deliberar a pena apropriada para aqueles que
violam a lei natural, assim como o direito de aplicar a pena, dado que num
estado de perfeita igualdade, a legitimidade para fazê-lo é a mesma a todos;
-
O estado de natureza não é só diferente da sociedade civil como, segundo Locke,
do estado de guerra, pois neste não há lei que valha se as pessoas não tem
direitos.
Para
Locke, no entanto faltam três coisas essenciais no estado de natureza, que podem
ser estabelecidos na vida política com base justamente na lei natural.
-
Falta uma lei estabelecida, conhecida e aceita livremente por todos, que sirva
de padrão comum para decidir acordos e desacordos sobre aspectos particulares
de aplicação da lei natural, isso porque mesmo sendo clara, as pessoas podem
compreendê-la mal.
-
Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei, evitando que
haja juizes em causa própria.
-
Falta poder suficiente para executar a lei e fazer cumprir as sentenças justas,
evitando o prejuízo dos mais fracos.
Por
estes motivos é que faz sentido que as pessoas abrirem mão dos provilégios do
estado de natureza cedendo o poder de execuar a lei àqueles que forem
escolhidos segundo regras da comunidade.
Lei Natural – Russeau (1712-1778)
O
tema da lei natural recebe em Russeau um tratamento conciso, o que não
siginifica que nao tenha um papel importante no seu pensamento político. A este
propósito, como foi exposto em aula devemos ter presente que para o autor a
concepção de lei natural está ligada a justiça, que contra Pufendorf[3],
não é natural. Assim, no Contrato Social,
o autor recusa todo compromisso com a lei natural tradicional, voltando à
posição de Hobbes.
Em
suma, o argumento de Russeau comporta duas partes, para que uma lei natural
coercitiva exista, duas coisas são requeridas: a lei deve ser conhecida dos
homens ou corretamente “dispensada’, e ela deve ser aplicada ou ser o objeto de
uma sanção. Nesse sentido, no estado originário de natureza, os princípios
racionais da lei natural não podem ser conhecidos, portanto quando puderem ser
conhecidos, não serão aplicados por natureza.
Para
Russeau a lei natural possui limites, pois como antes foi mencionado, para ele
a justiça não é natural. Assim, ele divide sua crítica em duas partes: a
prmeira parte propriamente da premissa de que o homem carece de sociabilidade
intrínseca, porque a razão não pode ser desenvolvida sem a sociedade e a
linguagem, logo o homem natural solitário não podia conhecer absolutamente
nenhuma lei racional da natureza, nem ser submetido à nenhuma lei desse gênero.
Se
por um lado Russeau nega que há lei natural no estado de natureza, ou seja, um
código moral obrigatório ao qual os homens poderiam e deveriam se submeter, por
outro lado ele sustenta que existe um direito natural, ou seja, um modo natural
de se relacionar uns com os outros, através do qual os homens se conformam
instintivamente. Para ele os homens os homens apresentam inclinações fundamentais
à sua própria conservação e piedade, ou seja, eles obedeciam, ainda que
incoscientemente aquilo que ele chama de “máxima bondade natural” (Fais ton
bien avec le moindre mal d’autrui qu’il est possibile). Mas o desenvolvimento
da razão, aumenta também as paixões e enfraquece a piedade, destruindo também o
direito natural.
Para
Russeau “os modernos só reconhecem como
lei uma regra prescrita a um ser moral, isto é, inteligente, livre e
considerado nas suas relações com os demais seres, limitando consequentemente
ao único animal dotado de razão, isto é, o homem, a competência da lei natural
(...) tal coisa significa, precisamente que os homens tiveram de utilizar, para
o estabelcimento da sociedade, luzes que só se desenvolvem com muito trabalho e
para poucas pessoas, no próprio seio da sociedade.”[4]
Estas
observações, segundo Russeau, são confirmadas pela história, “os fatos confirmam perfeitamente que as
ideias saudáveis do direito natural e da irmandade de todos os homens foram
disseminadas bem tarde, e fizeram no mundo um progresso tão lento que só o
cristianismo conseguiu generalizá-las suficientemente.”[5]
Assim, conclui a primeira condição da
lei natural, qual seja, que ela seja, dispensanda e conhecida por natureza, não
é preenchida. E mesmo se estas pretensas leis de justiça natural baseadas sob a
lei natural fossem conhecidas, na segunda parte de seu argumento desenvolvido
no Contrato Social, elas não seriam
moralmente nem obrigatórias e nem válidas, uma vez que não são aplicadas por
natureza.
Em
última isntãncia, Russeau rejeita o compromisso da lei natural adotado por
Pufendorf, ou seja, que a justiça é natural e o Estado artificial, tentando
demonstrar que a lei natural conhecida e observada no estado de natureza “é uma verdadeira quimera; pois as condições
são sempre desconhecidas ou impraticáveis, e que é preciso necessariamente
ignorá-las ou infringi-las.”[6]
Lei Natural – John Stuart Mill
(1806-1873)
Stuart Mill em sua obra Sobre
a Liberdade (On Liberty) não fala diretamente sobre o argumento da lei
natural, como o faz Locke e Russeau. Implicitamente, todavia, podemos encontrar
alguns elementos que permitem especular sobre sua concepção sobre o tema, porém
sem a pretensão de exaurir, ao menos com fidelidade textual o que o mesmo
pensara sobre o tema.
Quando
fala sobre a possibilidade de purificação da própria opinião, demonstra haver
fé nela, de modo a ser possível chegar a uma verdade, o que, guardados os
devidos limites textuais, permite concluir, que Mill acreditava na luz da razão
natural. Para ele deve ser superada “uma
opnião em matéria de conduta, que nao se alicerça em razões e só pode ser tida
como uma opinião pessoal.”[7]
Tal
característica é importante se levarmos em consideração que na pós-modernidade,
especialmente depois de Nietzche, existe uma habitual descrença na verdade, ou
ao menos à possibilidade de conhecê-la.
Ainda
sobre a lei natural Mill admite a possibilidade de se chegar a posições
racionais coerentes, o que como acima foi mencionado, nos permite em certo
sentido, concluir que acreditva numa lei natural a qual se pode chegar ao
conhecimento através da razão e se impor a si mesma.
Segundo
o autor, “a humanidade é justificada,
individualmente ou coletivamente, a interferir sobre a liberdade de ação de
qualquer um somente com o fim de se proteger: o único objetivo perlo qual se
pode legitimamente exercitar um poder sobre qualquer membro de uma comunidade
civilizada, contra a sua vontade, é para evitar dano aos outros.”[8]
Para
Mill a liberdade é um valor fundamental do ser humano, ao qual podemos também
especular que fundamenta-se implicitamente sobre uma concepção de lei natural
interior e universal ao homem. “Ela
(Liberdade) abrange o domínio íntimo da consciência, exigindo liberdade de
consciència no mais compreensivo sentido, liberdade de pensar e de sentir
liberdade absoluta de opinião e de sentimento sobre quaisquer assuntos práticos
ou especulativosm científicos, morais ou teológicos.”[9]
Outros
aspectos que não tocam o argumento da lei natural, porém que merecem relevância
para a compreensão do pensamento filosófico do autor são os seguintes: a
justiça política (Estado justo) é o sistema de relações (leis, instituições,
etc) que maximizam o bem estar dos cidadãos; o bem comum político seria a
maximização dos bens individuais e nessa perspectiva, o Estado deve
principalmente proteger a liberdade dos indivíduos; o princípio ético
fundamental é a felicidade geral ou utilidade, ou seja, a máxima quantidade
possivel de felicidade, segundo um cálculo matemáticos, que seria a soma da
felicidade conquistadas pelos cidadãos vivendo na comunidade política.
Conclusao
Os dois primeiros autores são
classificados historicamente dentro da corrente contratualista, que apresnetam
em comum, entre outros aspectos, uma prioridade de noção de justiça em respeito
à noção de bem do indivíduo. Assim a sociedade é fundamentada sobre um contrato
social que representa a vontade de todos. O bem comum seria o conjunto de
princípios de justiça política condivididos por todos os cidadãos, seja qual
for a visão sobre a vida boa e sobre a natureza da felicidade humana.
O probelma da lógica procedual do
contratualismo é que o acordo é possível somente quando os cidadãos reconhecem
a existência de uma verdade prévia sobre o bem comum ao qual devem tender as
suas respectivas liberdades, ou seja, uma verdade sobre o fim ao qual a
sociedade deve alcançar. Então os interesses de todos, divergentes ou não,
deveriam ser colocados sempre em relação com aquele bem ou fim comum, a fim de
compreender em que medida os interesses específicos contribuem para que seja
realizado. Acaba caindo em uma relativização dos próprios interesses que
permitem chegar a um discernimento racional.
No confronto com o utilitarismo de Stuart
Mill se pode extrair uma crítica a partir de argumentos extraídos do
contratualismo, bem como da doutrina social da Igreja. Pois o utilitarismo
reconhece a liberdade individual na direção dos diversos bens necessários e
desejados e este é um bem essencial à justiça política, porém a justiça da
sociedade concebida como “máxima saisfação dos desejos dos cidadãos” reduz o
bem comum a uma questão meramente numérica e científica-tecnológica, e bem
sabemos que a felicidade é um bem também espiritual, que não pode ser
simplesmente mensurada segunto tais critérios, além disso acaba-se por evitar a
pergunta sobre o bem humano e a sua relação com a vida humana em sociedade,
além de correr-se sempre o risco de se sacrificar o bem legítimo de uma minoria
em virtude do bem estar de uma maioria, o que é sempre um risco. Em última
instância, a carência de valores metafísicos fundamentais, faz com a concepção
política seja débil de aplicação ao menos prática.
[1]
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o
governo civil e outros escritos: ensaio sobre a origem, os limites e os fins
vrdadeiros do governo civil, tradução Magda Lopes e Maria Lobo da Costa,
Petrópolis RJ: Vozes 2006, p. 102.
[2]
Ibidem, p. 147.
[3]
Samuel Pufendorf (1632-1694), jurista e professor alemâo, autor representativo
da doutrina da lei natural atacada por Russeau. Opera um compromisso explícito
entre Hobbes e a lei natural tradicional. De Hobbes, retém a doutrina individualista do contrato social
quanto ao direito de governar, mas rejeita categoricamente sua doutrina da
soberania em proveito de um código laico da lei natural que expõe
detalhadamente em seus livros. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Samuel_Pufendorf)
[4]
RUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social.
São Paulo: Ática, 1978, p. 36.
[5]
Ibidem, p. 75.
[6] Ibidem, p. 97.
[8]
Ibidem, p. 55.
[9]
Ibidem, p. 38.