II. 22. Os deveres do homem em relação à sua consciência




     A matéria pode-se compendiar sem dificuldade dentro das quatro seguintes regras:

1) Toda e qualquer pessoa tem a obrigação de empregar os meios oportunos para possuir uma consciência verídica ou reta.

     Compreende-se bem o «porque» desta proposição. A consciência julga os atos humanos à luz de Deus e da salvação eterna; trata, portanto, de assunto de importância capital.
     Em conseqüência, a ordem reta das coisas exige da parte do homem todo o zelo a fim de que os pronunciamentos da sua consciência sejam adequados e orientem a pessoa pelos caminhos devido:.. Negligência na formação da consciência vem a ser negligência ou menosprezo do Bem Supremo. Ora tal negligência, caso seja voluntária, é culposa, constituindo uma injúria não somente a Deus, mas também à própria dignidade humana.

     Em verdade, qual aplicação mais nobre para a sua inteligência poderia o homem conceber do que a de procurar reconhecer os trâmites que levam ao Bem Supremo? Qual pesquisa teria objeto mais importante? Qualquer outra ocupação só dignificaria o homem depois de esclarecida essa questão capital.

     Caso alguém, por negligência, proceda em desacordo com as normas objetivas da Moral, contentando-se com um julgamento superficial e inadequado, torna-se culpado do erro assim cometido. Está claro, porém, que o Senhor não obriga ninguém a esfôrço sobre-humano na formação da sua consciência ou na procura das normas objetivas da Moral.

     As exigências de Deus visam erguer e alegrar o homem; nunca o devem abater ou desanimar. Deus sumamente transcendente é também sumamente paterno e compreensivo da fraqueza humana.

     Os meios principais para formar uma consciência verídica são:

a) diligência para chegar ao devido conhecimento das leis morais. Não se requer a máxima diligência que se possa imaginar, mas a que esteja ao alcance de cada um;
b) a procura do conselho de pessoas prudentes e comprovadas nos caminhos de Deus;
c) oração perseverante;
d) o afastamento dos obstáculos respectivos, como seriam paixões e maus hábitos voluntários, os quais sempre obcecam a consciência.

2) Todo homem está obrigado a observar estritamente os preceitos e as proibições de sua consciência, dado que esta a) seja verídica ou b) seja invencivelmente errônea.

     Note-se bem que na formulação acima não se trata de permissões nem de conselhos dados pela consciência, pois em tais casos não há obrigação de seguir o respectivo alvitre.

     A necessidade de obedecer às ordens ou proibições da consciência verídica evidencia-se facilmente. Com efeito, a consciência verídica é a que faz a aplicação fiel da lei à situação precisa em que a pessoa se acha; ela vem a ser, portanto, a expressão exata da lei moral em tal caso concreto. Por isto o ditame de tal consciência obriga tanto quanto a própria lei justa.

 Quanto à obrigação de seguir a consciência invencivelmente errônea, ela se depreende do seguinte raciocínio:

     A qualificação moral (boa ou má) de uma ação deduz-se do objeto dessa ação: objeto bom constitui ação boa, objeto mau constitui ação má..., deduz-se, porém, do objeto não como ele é em si, mas como ele é apresentado (ou como ele é percebido) pela consciência de quem está agindo. Assim o julgamento da consciência é que vem a ser a norma imediata da moralidade.

     Por conseguinte, caso a consciência julgue ser tal ação obrigatória e tal outra proibida (julgue talvez erradamente, mas sem culpa sua), há obrigação estrita de seguir, porque no caso o ditame da consciência é o ditame da moralidade. Quem quisesse agir contra tal ditame, proferido nessa boa fé, estaria querendo algo que aos olhos do sujeito seria mau; querer, porém, o mal como mal é pecado.

     Eis algumas aplicações desta norma: quem, de boa fé plena ou sem a mínima culpa própria, julga ter que mentir para salvar seu amigo, deve mentir; mentindo, não cometerá pecado formal. Se, ao contrário. deixar de mentir, cometerá pecado formal, porque estará contradizendo a sua consciência (embora esta erre de boa fé). - O católico que, em ignorância invencível ou não-culpada, julgue ser o dia N. dia santo de guarda (embora não o seja), tem obrigação de assistir à S. Missa nesse dia; não o fazendo, peca, porque está desprezando a lei moral que ele julga existir no caso.

     Breve reflexão ainda se impõe: como acaba de ser dito, o erro não-culpado ou «de boa fé» não impede que a conduta do respectivo sujeito possa ser moralmente boa; contudo o erro não é o ideal, de sorte que ninguém pode desejar «deixar-se ficar» nêle; terá que aspirar sempre à plenitude da luz; em caso contrário, o êrro deixaria de ser «erro de boa fé» e já não usufruiria dos privilégios da boa fé; tornar-se-ia erro culpado.

     A guisa de ilustração, citamos o seguinte testemunho de J. H. Cardeal Newman, que assim se referia à consciência invencivelmente errônea

     «Sempre considerei a obediência à consciência moral, mesmo errônea, como sendo o melhor caminho para chegarmos à luz» (Apologia pro vita sua e. 5).

     Uma tal obediência corrobora a vontade no amor do bem. Ora o amor do bem dispõe a inteligência a reconhecer, por conaturalidade ou afinidade, o Bem em sua plenitude ou tal como Ele é na verdade. Assim o erro, numa pessoa de boa fé, tende a se limitar e a se extinguir a si mesmo, cedendo à verdade.

3) Não é licito seguir a consciência vencívelmente errônea: contudo também não é licito agir contra tal consciência. Por conseguinte, antes da ação, torna-se necessário dissipar o erro de consciência.

  Em uma palavra: quem age com consciência vencívelmente errônea, nunca se isenta de culpa, quer obedeça, quer contradiga à sua consciência.

     Para compreender esta proposição, faz-se mister frisar o sentido preciso que aqui tem a expressão «consciência vencívelmente errônea»: significa a consciência que sabemos estar insuficientemente informada e que podemos retificar, caso o queiramos. Manter a consciência em tal estado implica em negligência ou descaso da pessoa na procura da verdade e do bem; implica portanto num estado de desordem moral. E agir de acordo com os julgamentos errôneos que se originam dessa negligência e desordem, eqüivale a reafirmar negligência e desordem culposas; eqüivale, por conseguinte, a uma culpa.

     Observe-se que a norma acima veda não somente obedecer à consciência vencivelmente errônea, mas também contradizer-lhe... Este outro membro da proposição embora pareça desconcertante, também se entende sem dificuldade: a pessoa que resolva sumariamente contradizer à sua consciência (que ela sabe estar vencivelmente no erro) e não procure devidamente esclarecer-se, deixa-se ficar voluntariamente na falsidade, aceita a negligência em relação ao último Fim, e expõe-se ao perigo de cometer mais uma ação errada. Ora nisso tudo há culpa grave.

     Por conseguinte, para quem está no erro professado por descaso ou má fé. só há um alvitre reto: dissipar quanto antes esse erro, a fim de poder agir esclarecidamente. Dado que não possa procurar esclarecer-se, abstenha-se de agir no caso. E, se não lhe é possível deixar de agir, faça o que parecer mais seguro.

     Está claro, porém, que não peca a pessoa que, embora aja com consciência vencivelmente errônea, de modo nenhum se expõe ao perigo de pecar (p. ex., dando uma esmola ao seu alcance).

4) Somente a consciência certa (não a hesitante nem a provável) pode ser tomada como reta norma dos costumes.

     Em outros termos: Nunca é lícito agir com consciência duvidosa ou com a consciência a hesitar entre razões positivas opostas umas às outras.

     1. Compreende-se bem tal norma. A dignidade humana exige que todo homem, ao agir, aja de acordo com as leis objetivas do respectivo agir: o pintor, ao pintar, deve proceder segundo as leis da arte da pintura; o cantor, ao cantar, ... segundo as leis do canto; o médico, ao atender aos doentes, ... segundo as normas da medicina; e todo homem, pelo fato mesmo de ser homem,... sempre conforme as regras da Moral, que tornam o homem bom na sua acepção mais cabal, ou seja, enquanto é ser racional.

     Ora, para conseguir esta proximidade do ideal, requer-se que o indivíduo use de diligencia a fim de reconhecer quais são as normas objetivas que o devem reger (no caso que nos interessa:... quais são as normas da moralidade); requer-se mesmo que use de tanta diligência quanta for necessária para gerar a certeza (ao menos subjetiva) de haver encontrado a trilha devida. Enquanto não tem certeza, a pessoa se acha naturalmente em dúvida e fica sujeita ao perigo de violar as leis morais. Agindo, não obstante, com dúvidas voluntariamente entretidas, tal pessoa aceita o risco de infringir a Moral e de pecar - o que já é culposo.

     Note-se que o esforço para apreender as normas objetivas da moralidade pode ficar em parte frustrado (consciência certa ou firme não é necessariamente consciência verídica, como já observamos à pág. 171). Em todo caso, tendendo à veracidade objetiva, pessoa deve chegar ao menos à certeza subjetiva; o seu esforço lhe merecerá ao menos a vantagem de ficar sabendo por que faz o que faz, ... vantagem de dominar a situação, em vez de se deixar morbidamente dominar por motivos menos razoáveis.

     2. A certeza que se requer ao se falar de consciência «certa», não é certeza metafísica nem certeza física, mas certeza moral.

     Por «certeza metafísica» entende-se a que se deriva de conceitos essenciais e imutáveis; é certeza que jamais pode sofrer contradição; está envolvida, por exemplo, nas proposições: «Deus é uno; um círculo não pode ser quadrado; o todo é maior que qualquer das partes...».

     Por «certeza física» compreende-se a que se baseia no curso natural das coisas; será firme, a menos que se dê algum portento na natureza. Assim é fisicamente certo que «cedo ou tarde todo homem há de morrer»..

     Por «certeza moral» entende-se a certeza que exclui toda dúvida razoável ou todo motivo sério de duvidar. Assim posso ter por moralmente certo que João, amigo bem conhecido, não mentirá; ... que a mãezinha não dará veneno a seu filhinho, etc.

     Conforme os autores, basta a certeza moral para que a consciência se torne reta norma de vida. Também esta posição se entende sem dificuldade ao se tratar de atos humanos, livres e contingentes, é muitas vezes impossível conseguir certeza absoluta (metafísica) ou mesmo certeza física; é preciso contentar-se com certeza moral, e, como observam os mestres... certeza moral que, embora se apoie em sólidos argumentos, não pode (por inculpada carência de luzes) excluir um leve receio de erro. - Já que ninguém está obrigado ao impossível, é somente este tipo largo de certeza que se requer a fim de que haja retidão de consciência.

     Pergunta-se agora: não haverá meios que possibilitem à consciência duvidosa chegar à certeza moral ?

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