II. 22. Os deveres do homem em relação à sua consciência
>> terça-feira, 5 de fevereiro de 2013 –
FILOSOFIA
A
matéria pode-se compendiar sem dificuldade dentro das quatro
seguintes regras:
1)
Toda e qualquer pessoa tem a obrigação de empregar os meios
oportunos para possuir uma consciência verídica ou reta.
Compreende-se
bem o «porque» desta proposição. A consciência julga os atos
humanos à luz de Deus e da salvação eterna; trata, portanto, de
assunto de importância capital.
Em
conseqüência, a ordem reta das coisas exige da parte do homem todo
o zelo a fim de que os pronunciamentos da sua consciência sejam
adequados e orientem a pessoa pelos caminhos devido:.. Negligência
na formação da consciência vem a ser negligência ou menosprezo do
Bem Supremo. Ora tal negligência, caso seja voluntária, é culposa,
constituindo uma injúria não somente a Deus, mas também à própria
dignidade humana.
Em
verdade, qual aplicação mais nobre para a sua inteligência poderia
o homem conceber do que a de procurar reconhecer os trâmites que
levam ao Bem Supremo? Qual pesquisa teria objeto mais importante?
Qualquer outra ocupação só dignificaria o homem depois de
esclarecida essa questão capital.
Caso
alguém, por negligência, proceda em desacordo com as normas
objetivas da Moral, contentando-se com um julgamento superficial e
inadequado, torna-se culpado do erro assim cometido. Está claro,
porém, que o Senhor não obriga ninguém a esfôrço sobre-humano na
formação da sua consciência ou na procura das normas objetivas da
Moral.
As
exigências de Deus visam erguer e alegrar o homem; nunca o devem
abater ou desanimar. Deus sumamente transcendente é também
sumamente paterno e compreensivo da fraqueza humana.
Os
meios principais para formar uma consciência verídica são:
a)
diligência para chegar ao devido conhecimento das leis morais. Não
se requer a máxima diligência que se possa imaginar, mas a que
esteja ao alcance de cada um;
b)
a procura do conselho de pessoas prudentes e comprovadas nos caminhos
de Deus;
c)
oração perseverante;
d)
o afastamento dos obstáculos respectivos, como seriam paixões e
maus hábitos voluntários, os quais sempre obcecam a consciência.
2)
Todo homem está obrigado a observar estritamente os preceitos e as
proibições de sua consciência, dado que esta a) seja verídica ou
b) seja invencivelmente errônea.
Note-se
bem que na formulação acima não se trata de permissões nem de
conselhos dados pela consciência, pois em tais casos não há
obrigação de seguir o respectivo alvitre.
A
necessidade de obedecer às ordens ou proibições da consciência
verídica evidencia-se facilmente. Com efeito, a consciência
verídica é a que faz a aplicação fiel da lei à situação
precisa em que a pessoa se acha; ela vem a ser, portanto, a expressão
exata da lei moral em tal caso concreto. Por isto o ditame de tal
consciência obriga tanto quanto a própria lei justa.
Quanto
à obrigação de seguir a consciência invencivelmente errônea, ela
se depreende do seguinte raciocínio:
A
qualificação moral (boa ou má) de uma ação deduz-se do objeto
dessa ação: objeto bom constitui ação boa, objeto mau constitui
ação má..., deduz-se, porém, do objeto não como ele é em si,
mas como ele é apresentado (ou como ele é percebido) pela
consciência de quem está agindo. Assim o julgamento da consciência
é que vem a ser a norma imediata da moralidade.
Por
conseguinte, caso a consciência julgue ser tal ação obrigatória e
tal outra proibida (julgue talvez erradamente, mas sem culpa sua), há
obrigação estrita de seguir, porque no caso o ditame da consciência
é o ditame da moralidade. Quem quisesse agir contra tal ditame,
proferido nessa boa fé, estaria querendo algo que aos olhos do
sujeito seria mau; querer, porém, o mal como mal é pecado.
Eis
algumas aplicações desta norma: quem, de boa fé plena ou sem a
mínima culpa própria, julga ter que mentir para salvar seu amigo,
deve mentir; mentindo, não cometerá pecado formal. Se, ao
contrário. deixar de mentir, cometerá pecado formal, porque estará
contradizendo a sua consciência (embora esta erre de boa fé). - O
católico que, em ignorância invencível ou não-culpada, julgue ser
o dia N. dia santo de guarda (embora não o seja), tem obrigação de
assistir à S. Missa nesse dia; não o fazendo, peca, porque está
desprezando a lei moral que ele julga existir no caso.
Breve
reflexão ainda se impõe: como acaba de ser dito, o erro não-culpado
ou «de
boa fé»
não impede que a conduta do respectivo sujeito possa ser moralmente
boa; contudo o erro não é o ideal, de sorte que ninguém pode
desejar «deixar-se
ficar»
nêle; terá que aspirar sempre à plenitude da luz; em caso
contrário, o êrro deixaria de ser «erro
de boa fé»
e já não usufruiria dos privilégios da boa fé; tornar-se-ia erro
culpado.
A
guisa de ilustração, citamos o seguinte testemunho de J. H. Cardeal
Newman, que assim se referia à consciência invencivelmente errônea
«Sempre
considerei a obediência à consciência moral, mesmo errônea, como
sendo o melhor caminho para chegarmos à luz»
(Apologia pro vita sua e. 5).
Uma
tal obediência corrobora a vontade no amor do bem. Ora o amor do bem
dispõe a inteligência a reconhecer, por conaturalidade ou
afinidade, o Bem em sua plenitude ou tal como Ele é na verdade.
Assim o erro, numa pessoa de boa fé, tende a se limitar e a se
extinguir a si mesmo, cedendo à verdade.
3)
Não é licito seguir a consciência vencívelmente errônea: contudo
também não é licito agir contra tal consciência. Por conseguinte,
antes da ação, torna-se necessário dissipar o erro de consciência.
Em
uma palavra: quem age com consciência vencívelmente errônea, nunca
se isenta de culpa, quer obedeça, quer contradiga à sua
consciência.
Para
compreender esta proposição, faz-se mister frisar o sentido preciso
que aqui tem a expressão «consciência vencívelmente errônea»:
significa a consciência que sabemos estar insuficientemente
informada e que podemos retificar, caso o queiramos. Manter a
consciência em tal estado implica em negligência ou descaso da
pessoa na procura da verdade e do bem; implica portanto num estado de
desordem moral. E agir de acordo com os julgamentos errôneos que se
originam dessa negligência e desordem, eqüivale a reafirmar
negligência e desordem culposas; eqüivale, por conseguinte, a uma
culpa.
Observe-se
que a norma acima veda não somente obedecer à consciência
vencivelmente errônea, mas também contradizer-lhe... Este outro
membro da proposição embora pareça desconcertante, também se
entende sem dificuldade: a pessoa que resolva sumariamente
contradizer à sua consciência (que ela sabe estar vencivelmente no
erro) e não procure devidamente esclarecer-se, deixa-se ficar
voluntariamente na falsidade, aceita a negligência em relação ao
último Fim, e expõe-se ao perigo de cometer mais uma ação errada.
Ora nisso tudo há culpa grave.
Por
conseguinte, para quem está no erro professado por descaso ou má
fé. só há um alvitre reto: dissipar quanto antes esse erro, a fim
de poder agir esclarecidamente. Dado que não possa procurar
esclarecer-se, abstenha-se de agir no caso. E, se não lhe é
possível deixar de agir, faça o que parecer mais seguro.
Está
claro, porém, que não peca a pessoa que, embora aja com consciência
vencivelmente errônea, de modo nenhum se expõe ao perigo de pecar
(p. ex., dando uma esmola ao seu alcance).
4)
Somente a consciência certa (não a hesitante nem a provável) pode
ser tomada como reta norma dos costumes.
Em
outros termos: Nunca é lícito agir com consciência duvidosa ou com
a consciência a hesitar entre razões positivas opostas umas às
outras.
1.
Compreende-se bem tal norma. A dignidade humana exige que todo homem,
ao agir, aja de acordo com as leis objetivas do respectivo agir: o
pintor, ao pintar, deve proceder segundo as leis da arte da pintura;
o cantor, ao cantar, ... segundo as leis do canto; o médico, ao
atender aos doentes, ... segundo as normas da medicina; e todo homem,
pelo fato mesmo de ser homem,... sempre conforme as regras da Moral,
que tornam o homem bom na sua acepção mais cabal, ou seja, enquanto
é ser racional.
Ora,
para conseguir esta proximidade do ideal, requer-se que o indivíduo
use de diligencia a fim de reconhecer quais são as normas objetivas
que o devem reger (no caso que nos interessa:... quais são as normas
da moralidade); requer-se mesmo que use de tanta diligência quanta
for necessária para gerar a certeza (ao menos subjetiva) de haver
encontrado a trilha devida. Enquanto não tem certeza, a pessoa se
acha naturalmente em dúvida e fica sujeita ao perigo de violar as
leis morais. Agindo, não obstante, com dúvidas voluntariamente
entretidas, tal pessoa aceita o risco de infringir a Moral e de pecar
- o que já é culposo.
Note-se
que o esforço para apreender as normas objetivas da moralidade pode
ficar em parte frustrado (consciência certa ou firme não é
necessariamente consciência verídica, como já observamos à pág.
171). Em todo caso, tendendo à veracidade objetiva, pessoa deve
chegar ao menos à certeza subjetiva; o seu esforço lhe merecerá ao
menos a vantagem de ficar sabendo por que faz o que faz, ... vantagem
de dominar a situação, em vez de se deixar morbidamente dominar por
motivos menos razoáveis.
2.
A certeza que se requer ao se falar de consciência «certa», não é
certeza metafísica nem certeza física, mas certeza moral.
Por
«certeza metafísica» entende-se a que se deriva de conceitos
essenciais e imutáveis; é certeza que jamais pode sofrer
contradição; está envolvida, por exemplo, nas proposições: «Deus
é uno; um círculo não pode ser quadrado; o todo é maior que
qualquer das partes...».
Por
«certeza física» compreende-se a que se baseia no curso natural
das coisas; será firme, a menos que se dê algum portento na
natureza. Assim é fisicamente certo que «cedo ou tarde todo homem
há de morrer»..
Por
«certeza moral» entende-se a certeza que exclui toda dúvida
razoável ou todo motivo sério de duvidar. Assim posso ter por
moralmente certo que João, amigo bem conhecido, não mentirá; ...
que a mãezinha não dará veneno a seu filhinho, etc.
Conforme
os autores, basta a certeza moral para que a consciência se torne
reta norma de vida. Também esta posição se entende sem dificuldade
ao se tratar de atos humanos, livres e contingentes, é muitas vezes
impossível conseguir certeza absoluta (metafísica) ou mesmo certeza
física; é preciso contentar-se com certeza moral, e, como observam
os mestres... certeza moral que, embora se apoie em sólidos
argumentos, não pode (por inculpada carência de luzes) excluir um
leve receio de erro. - Já que ninguém está obrigado ao impossível,
é somente este tipo largo de certeza que se requer a fim de que haja
retidão de consciência.
Pergunta-se
agora: não haverá meios que possibilitem à consciência duvidosa
chegar à certeza moral ?