I. 10. Interpretação e fundamentação Filosófica da Moral



     Dentro do século XX surgiram várias concepções éticas diferenciadas: o hedonismo de Schilick, o intuicionismo de Moore, Prichard e Ross, o emotivismo ético de Ayer e Stevenson, e outras concepções derivadas do positivismo que constituem um neo-positivismo ético.
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1. A fundamentação empirista


     a. Pressupostos filosóficos gerais
    
     De outro ponto de vista, o filósofo Apel observa que, em sentido estrito, não existem preposições meramente descritivas, pois mesmo as que normalmente são tidas como tais pressupõem algum tipo de classificação moral ou valoração.


      As ciências humanas, depois de Max Weber, não se limitam a explicar os fatos, mas também a compreendê-los e não é possível compreender um fato sem classificá-lo e nem classificá-lo sem compreendê-lo.


      A lei de Hume, contudo, possui um aspecto de verdade, pois entre os fatos e o valor, existe uma certa distância da mesma forma que existe uma certa diferença entre as ciências positivas e a ética, o que não significa que sejam opostas ou diametrais. O que não se pode é absolutizar a experiência em detrimento dos valores morais, pois isso constitui, como foi visto, um grave erro até mesmo no nível da linguagem.


     O erro, portanto, está em reduzir o “ser” aos “fatos”, como se nos fatos não existissem valores implícitos.


    Cabe concluir, portanto, que o postulado de Hume está ligado a uma concepção mecanicista e determinista da realidade, própria da ciência natural do tempo de Hume e de Kant, oriunda da mecânica clássica de Newton hoje já superada. A seu tempo, tal concepção leva em consideração o modelo de causalidade material e causalidade eficiente e omitia qualquer referencia à causalidade final.


    Esta é, sem dúvida, a gênese do relativismo moral próprio dos nossos tempos e tão criticado por Ratzinger.


    Como foi visto nas aulas anteriores o ponto de partida da ética é a experiência moral e não a física e mesmo a metafísica. Tendo isso bem claro podemos dialogar e criticar qualquer postura filosófica, contemporânea ou não, que nega a classificação moral dos fatos como faz a ética.


b. A concepção empirista do sujeito moral



     Essa concepção filosófica torna muito difícil, pelos motivos acima descritos e outros, a tarefa de compreender e fundamentar filosoficamente a moral.


     Muitos filósofos empiristas radicais, como Hume, não eram revolucionários no sentido ético-politico, queriam apenas justificar a moral tradicional de seu tempo negando uma espécie de dogmatismo teórico existente na época, no qual viam uma perigosa ameaça à paz social e às liberdades civis.


     O projeto filosófico empirista impede um papel normativo da razão, uma vez que desconfia do valor das noções abstratas. Para eles estas devem ser reduzidas ao plano das reações sensíveis recorrendo ao plano das associações psicológicas.


     O que está por trás disso é justamente a negação da concepção clássica de vontade, pois esta é a conseqüência inevitável da negação da força motivacional da conduta. Assim sendo, Hume e seus seguidores acabavam por justificar os comportamentos humanos sob o paradigma das paixões, uma vez que não admitiam recorrer a fundamentação da razão.


      Na tradição empirista, o homem é, portanto, um emaranhado de paixões, desejos e interesses que constituem a única fonte motivacional e de explicação para sua conduta.


      Então qual é o papel da razão na tradição empirista? Encontrar o modo mais eficaz de satisfazer os desejos, paixões e interesses do homem, mas não possui a capacidade de formular um juízo de valor sobre eles. Dizia Hume em seu Tratado da natureza humana: “a razão deve ser escrava da paixão e não deveria jamais aspirar a outra função que não seja servi-la e obedecê-la”      Logo, a função da razão passa a ser instrumental e nunca normativa.


   Se levarmos tal concepção do sujeito moral a uma observação mais profunda, perceberemos que desde seu inicio é extremamente individualista, como se o homem fosse um átomo. Hobbes afirma, que as tendências humanas miram a conservação e afirmação de si, como se nenhuma tendência natural ligasse os homens entre si.
    
      La concepção empirista do sujeito moral complicou-se posteriormente devido a instâncias ético-políticas do liberalismo. Neste, cada homem possui a liberdade de se auto-definir moralmente e isso deve ser defendido energicamente. Numa certa incoerência, já que isso constituiria um “valor”.


      Surge então um novo problema: se cada homem pode se auto-definir moralmente, como fundamentar normas necessárias para a convivência social, já que cada um busca apenas seu próprio “bem”?
      O problema fundamental está no fato de que cada um está disposto a aceitar os limites estritamente necessários para a convivência social ou mesmo para desenvolver certas atitudes benevolentes, mas de modo algum estão dispostos a admitir regras que pressuponham uma concepção normativa do bem humano. Aqui aparece claramente o que antes estudamos, o problema da “politização da ética”.


      Na postura empirista a fundamentação filosófica da moral é extremamente complicada porque parece buscar a quadratura do círculo, uns recorrem a uma espécie de instância externa (um legislador eticamente neutro), outros a natureza fatídica do homem: o egoísmo racional de Hobbes.


      Nessa concepção fica difícil escapar da impressão de que a capacidade moralidade do homem é externa a ele. Mas já dizia Kant, que a validez objetiva dos princípios éticos não podem se fundamentar na sensibilidade.


      Observamos a influência dessa corrente filosófica em frases como “o importante é seguir a voz do coração”, “não queria fazer isso, mas meu coração mandou” etc.


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2. A fundamentação sobre a base da filosofia do ser e a fundamentação
    transcendental.
     
A filosofia transcendental se inicia com Kant seja como reflexão filosófica propriamente dita, seja como instrumento racional do saber teológico (K. Rahner).


    Na filosofia do Ser Santo Tomás (realismo filosófico) pode ser considerado o representante mais significativo. Em nosso curso não será exposto nem o pensamento moral de Kant nem o tomista e sim o significado essencial da filosofia do ser e da filosofia transcendental enquanto modos distintos de entender a interpretação e fundamentação filosófica da vida moral.
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a. O ponto de partida
     O ponto de partida é fundamentar uma realidade e caracterizar a sua racionalidade. A realidade aqui analisada é vida humana em sua perspectiva moral. É o que Kant chamaria de “factum rationis”. Seria a necessidade prática e absoluta de responder a situação em que o homem se encontra aqui e agora com uma ação determinada.  Por exemplo, passo por uma pessoa ferida em um acidente de trânsito e sinto-me chamado a ajudá-la independentemente do que me pareceria mais cômodo. Esta necessidade prática e incondicionada Kant chamaria de dever.


     Santo Tomás preferiria dizer que o que deve ser explicado filosoficamente são os juízos formulados pela razão humana que qualificam justamente a ação do homem. No exemplo acima, o que seria importante é refletir quais os valores que me obrigariam a ajudar a pessoa ferida no trânsito.
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b. A abordagem filosófico-realista e transcendental

    Para compreender este tópico recorreremos aos conceitos estudados no curso de metafísica e também da Gnosiologia e da História da Filosofia no que toca ao pensamento de Kant.

     No plano filosófico, o fundamento é o ser, pois toda fundamentação filosófica, realista ou não, recorre a ele. Mas o que é o ser? O problema está no fato do que se diz e do que se entende por ser, pois o “ser” é entendido em vários sentidos, como já dizia Aristóteles.

    No que toca a nossa disciplina basta-nos recorrer a concepção tomista sobre o sentido do ser, que por um lado significa “Actus essesdi” (ato de ser), que seria o ato existencial ou “ser ut actus”, por outro lado significa a composição realizada pela mente entre sujeito e predicado, ou seja, o que eu faço realmente, ou para utilizar a linguagem clássica, a verdade da composição realizada pelo pensamento, o ser ut verum, ou como se diz atualmente, o ser veritativo.
   
     Kant, no entanto, não se pergunta pelo ser, e sim pelo saber, pelas coisas enquanto conhecidas. Sua filosofia transcendental centra a atenção exclusivamente no ser como verdade, ou seja, no ser enquanto presente na consciência cognitiva.

     Kant, então, não se pergunta, porque existem as coisas ou como se explica sua existência, antes, pergunta como é possível conhecer as coisas?

     Portanto, Kant se propõe a explicar o “ser conhecido” das coisas e não sua existência real. Então a reflexão transcendental trata de explicar as estruturas do espírito que tornam possível o conhecimento.

     Assim poderíamos definir o método de reflexão transcendental kantiano da seguinte forma; “a reflexão sobre as estruturas subjetivas de possibilidade da aparição do objeto (natural ou moral) diante da consciência (científica ou moral)”

     É legitima tal reflexão, pois responde adequadamente à distinção entre o ato de ser e o ato de conhecer. O problema surge quando a fundamentação gnoseológica se converte na única fundamentação filosófica, pois isso seria afirmar que o ser conhecido é o único a ser explicado.

 Qual a conseqüência disso? Segundo tal visão é impossível conhecer os seres transcendentais, seria inútil a reflexão sobre Deus e mesmo sobre o fim ultimo do homem.


c. Algumas conseqüências ético-antropológicas


       Para ele, a natureza enquanto cosmos ordenado e pleno de sentido em si mesmo. não precede ao trabalho da ciência e sim é a ciência que estrutura e ordena o cosmos, suas leis e lhe dá sentido no mundo sensível. Por isso surge a impossibilidade de reconhecer a dimensão natural do espírito humano e dos fenômenos morais (inclinações naturais etc), pois isso supõe o desconhecimento de uma das características que ele considera essencial no espírito humano, a capacidade de conferir sentido à natureza, o que de certa forma, significa desconhecer sua índole transcendental.
       Assim sendo, a inteligibilidade do mundo sensível é um produto das ciências físicas, um produto do espírito humano. Este não seria o criador da materialidade das coisas, mas sim aquele que confere o significado inteligível dessas coisas.


      Isso resulta que não se pode recorrer por exemplo ao sentido anti-natural de uma relação humana, já que tal sentido é classificado pelo espírito humano, o que na prática relativiza o juízo ético e de certa forma o descarta.
      Surge, então, um dualismo entre natureza e espírito, entre natureza e pessoa, pois natureza é o fundamentado pelo espírito (no plano do significado das coisas), logo é a pessoa ou o espírito humano que fundamenta e dá sentido à natureza.


      Diversas concepções filosóficas do nosso tempo tem sua gênese nesse pensamento. Como por exemplo a chamada “ideologia de gênero”, na qual a sexualidade humana seria construção social. Afirma a possibilidade de quatro tipos de condutas sexuais em detrimento da habitual concepção. O sexo masculino, gênero masculino; o sexo masculino, gênero feminino; o sexo feminino, gênero feminino e o sexo femino, gênero masculino.


      Assim não serviria o argumento da “lei natural”, uma vez que tudo é uma construção do espírito humano.
     A reflexão kantiana combate com certa eficácia a existência do caráter absoluto e incondicionado do valor moral, mas o faz a custa de perder a unidade da visão filosófica do mundo e do homem.


      O pensamento de Kant trouxe diversas contribuições à filosofia. A partir dele é que se pode classificar o mundo da razão teórica e da razão prática, o que permitiu, por exemplo, a compreensão do comportamento humano em seu determinismo causal (psicologia), bem como do ponto de vista da liberdade humana e do valor (Ética).


       Vale a pena ressaltar, que quando, em nosso curso, afirmamos a perda da unidade da visão filosófica do mundo e do homem, não estamos desejando uma visão monista da realidade material e espiritual na qual ambas as realidade são analisadas sob os mesmos critérios, antes o que nos parece mais adequado é entender “a liberdade humana como um dom que pode ser aceito e que está destinado a doar-se novamente e cuja sucessiva aceitação por parte de Deus constitui a mais admirável manifestação do amor de Deus”(Polo, L.).


d. A fundamentação última

      Se a entendermos como um projeto filosófico alternativo à filosofia do ser ela se torna inadequada para fundamentar filosoficamente a moral, porque aceita o apriorismo de origem kantiana (separação entre valor e bem) ainda que o corrija notavelmente. A fenomenologia se propõe, em suma, a superar o formalismo ético kantiano formulando uma ética material dos valores, como veremos ao longo do curso.

     A filosofia do ser se desenvolve seu processo de fundamentação recorrendo a linha da causalidade e da participação que explica o ser como ato existencial das coisas (actus essendi) até chegar ao Deus Criador. A verdade da Criação é o cume da Metafísica e o início da Teologia Natural.


    A Ética considera como uma verdade já estabelecida por essas duas ciências.
   “A Criação como livre doação do ser por parte de Deus ilumina o sentido do mundo e da destinação da liberdade” evitando que vivamos num mundo sem sentido, no qual o acaso é o tudo e o Amor um nada.


    Assim sendo, a razão humana é prática (moral) por participação e sua participação na ordenação da Inteligência Criadora se chama “lei moral natural”.


3. A fundamentação fenomenológica

     A fenomenologia pode ser entendida de duas formas. Como um método aberto a uma ulterior fundamentação metafísica e como uma forma de fundamentação filosófica alternativa à filosofia do Ser.


     Se a entendermos como um método propedêutico aberto à Filosofia do Ser, ou seja, instrumento descritivo e analítico da experiência moral utilizado de modo que permita preparar e tornar mais compreensível a ulterior reflexão filosófica ela nos será bastante útil.

     Dentro da filosofia transcendental kantiana o espírito humano (e suas estruturas a priori) não deve ser explicado nem fundamentado, pois é justamente ele que fundamenta e explica as coisas. Nesse sentido, Kant, para quem a natureza significa formalmente a legalidade dos fenômenos espaços-temporais, dirá que o entendimento humano produz e domina a natureza.
    


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